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São Pedro Canísio

Prezados irmãos e irmãs!

sao-pedro-canisioHoje gostaria de vos falar sobre são Pedro Kanis, Canísio na forma latinizada do seu sobrenome, uma figura muito importante no século XVI católico. Nasceu a 8 de Maio de 1521 em Nimega, na Holanda. O seu pai era burgomestre da cidade. Quando era estudante na Universidade de Colónia, frequentou os monges cartuxos de santa Bárbara, um centro propulsor de vida católica, e outros homens piedosos que cultivavam a espiritualidade da chamada devotio moderna. Entrou na Companhia de Jesus a 8 de Maio de 1543 em Mogúncia (Renânia-Palatinado), depois de ter seguido um curso de exercícios espirituais sob a guia do beato Pedro Favre, Petrus Faber, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loyola. Ordenado sacerdote em Junho de 1546 em Colónia, já no ano seguinte como teólogo do Bispo de Augsburgo, o cardeal Otto Truchsess von Waldburg, esteve presente no Concílio de Trento, onde colaborou com dois coirmãos, Diogo Laínez e Afonso Salmerón.

Em 1548, santo Inácio fez-lhe completar em Roma a formação espiritual e enviou-o depois ao Colégio de Messina para se exercitar em humildes serviços domésticos. Obteve em Bolonha o doutorado em teologia a 4 de Outubro de 1549 e foi destinado por santo Inácio ao apostolado na Alemanha. Em 2 de Setembro desse ano, visitou o Papa Paulo III em Castel Gandolfo e depois foi à Basílica de São Pedro para rezar. Aí implorou a ajuda dos grandes Santos Apóstolos Pedro e Paulo, que dessem eficácia permanente à Bênção apostólica para o seu grande destino, para a sua nova missão. No seu diário, anotou algumas palavras desta prece. Diz: «Ali senti que uma grande consolação e a presença da graça me eram concedidas por meio de tais intercessores [Pedro e Paulo]. Eles confirmavam a minha missão na Alemanha e pareciam transmitir-me, como apóstolo da Alemanha, o apoio da sua benevolência. Vós sabeis, Senhor, de quantos modos e quantas vezes nesse mesmo dia me confiastes a Alemanha, pela qual depois eu continuaria a ser solícito, pela qual desejaria viver e morrer».

Temos que ter presente o facto de que estamos no tempo da Reforma luterana, no momento em que a fé católica nos países de língua germânica, diante do fascínio da Reforma, parecia definhar. Era quase impossível a tarefa de Canísio, encarregado de revitalizar, de renovar a fé católica nos países germânicos. Só era possível em virtude da oração. Só era possível a partir do centro, ou seja, de uma profunda amizade pessoal com Jesus Cristo; amizade com Cristo no seu Corpo, a Igreja, que deve nutrir-se da Eucaristia, sua presença real.

Continuando a missão recebida de Inácio e do Papa Paulo III, Canísio partiu para a Alemanha e sobretudo para o Ducado da Baviera, que por vários anos foi o lugar do seu ministério. Como decano, reitor e vice-chanceler da Universidade de Ingolstadt, cuidou da vida académica da Instituição e da reforma religiosa e moral do povo. Em Viena, onde por um breve período foi administrador da Diocese, desempenhou o ministério pastoral nos hospitais e nas prisões, tanto na cidade como no campo, e preparou a publicação do seu Catecismo. Em 1556 fundou o Colégio de Praga e, até 1569, foi o primeiro superior da província jesuíta da Alemanha superior.

Nesse ofício, criou nos países germânicos uma densa rede de comunidades da sua Ordem, especialmente de colégios, que foram pontos de partida para a reforma católica, para a renovação da fé católica. Nessa época, participou também no diálogo de Worms com os dirigentes protestantes, entre os quais Filipe Melantone (1557); desempenhou a função de Núncio pontifício na Polónia (1558); participou nas duas Dietas de Augsburgo (1559 e 1565); acompanhou o Cardeal Estanislau Hozjusz, legado do Papa Pio IV junto do Imperador Ferdinando (1560); interveio na Sessão final do Concílio de Trento, onde falou sobre a questão da Comunhão sob as duas espécies e da Lista dos livros proibidos (1562).

Em 1580 retirou-se em Friburgo, na Suíça, dedicando-se inteiramente à pregação e à composição das suas obras, e ali faleceu em 21 de Dezembro de 1597. Beatificado pelo beato Pio IX em 1864, foi proclamado segundo Apóstolo da Alemanha pelo Papa Leão XIII em 1897, e pelo Papa Pio XI canonizado e proclamado Doutor da Igreja em 1925.

São Pedro Canísio transcorreu boa parte da sua vida em contacto com as pessoas socialmente mais importantes da sua época e exerceu uma influência especial com os seus escritos. Foi editor das obras completas de são Cirilo de Alexandria e de são Leão Magno, das Cartas de são Jerónimo e das Orações de são Nicolau de Flüe. Publicou livros de devoção em várias línguas, biografias de alguns santos suíços e muitos textos de homilética. Mas os seus escritos mais divulgados foram os três Catecismos, compostos de 1555 a 1558. O primeiro Catecismo destinava-se aos estudantes capazes de entender noções elementares de teologia; o segundo, aos jovens do povo para uma primeira instrução religiosa; o terceiro, aos jovens com uma formação escolar a nível de escolas secundárias e superiores. A doutrina católica era exposta com perguntas e respostas, brevemente, em termos bíblicos, com muita clareza e sem comentários polémicos. Só durante a sua vida houve 200 edições deste Catecismo! E sucederam-se centenas de edições até ao século XX. Assim na Alemanha, ainda na geração do meu pai, as pessoas chamavam o Catecismo simplesmente o Canísio: foi deveras o Catequista da Alemanha, formou a fé de pessoas durante séculos.

Eis uma características de são Pedro Canísio: saber compor harmoniosamente a fidelidade aos princípios dogmáticos com o devido respeito por cada pessoa. São Canísio distinguiu entre a apostasia consciente, culpável, da fé, da perda da fé inculpável, nessas circunstâncias. E declarou, em relação a Roma, que a maior parte dos alemães que tinham passado para o Protestantismo não tinha culpa. Num momento histórico de fortes contrastes confessionais, evitava — é algo extraordinário — a aspereza e a retórica da ira — algo raro, como disse nessa época, nos debates entre os cristãos — e visava somente à apresentação das raízes espirituais e à revitalização da fé na Igreja. Para isto serviu o conhecimento vasto e incisivo que ele tinha da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja: o mesmo conhecimento que sustentou a sua relação pessoal com Deus e a espiritualidade austera que lhe derivava da devotio moderna e da mística renana.

É característica para a espiritualidade de são Canísio uma profunda amizade pessoal com Jesus. Por exemplo, a 4 de Setembro de 1549 escreve no seu diário, falando com o Senhor: «No final Vós, como se me abrisses o coração do Sacratíssimo Corpo, que me parecia ver diante de mim, ordenastes-me para que bebesse daquela nascente, convidando-me por assim dizer a haurir as águas da minha salvação das vossas fontes, ó meu Salvador». E depois, vê que o Salvador lhe oferece um indumento com três partes que se chamam paz, amor e perseverança. E com este indumento composto de paz, amor e perseverança, Canísio desempenhou a sua obra de renovação do catolicismo. Esta sua amizade com Jesus — que é o centro da sua personalidade — alimentada pelo amor à Bíblia, pelo amor ao Sacramento, pelo amor aos Padres, esta amizade estava claramente unida à consciência de ser continuador da missão dos Apóstolos na Igreja. E isto recorda-nos que todo o evangelizador autêntico é sempre um instrumento unido, e por isso mesmo fecundo, com Jesus e com a sua Igreja.

Na amizade com Jesus, são Pedro Canísio formou-se no ambiente espiritual da Cartuxa de Colónia, onde vivera em íntimo contacto com dois místicos cartuxos: João Lansperger, latinizado em Lanspergius, e Nicolau van Hesche, latinizado em Eschius. Sucessivamente, aprofundou a experiência daquela amizade, familiaritas stupenda nimis, com a contemplação dos mistérios da vida de Jesus, que ocupam uma boa parte nos Exercícios espirituais de santo Inácio. A sua intensa devoção ao Coração do Senhor, que culminou na consagração ao ministério apostólico na Basílica Vaticana, encontra aqui o seu fundamento.

Na espiritualidade cristocêntrica de são Pedro Canísio arraiga-se uma profunda convicção: não há alma solícita da própria perfeição que não pratique todos os dias a oração, prece mental, meio comum que permite ao discípulo de Jesus viver a intimidade com o Mestre divino. Por isso, nos escritos destinados à educação espiritual do povo, o nosso santo insiste sobre a importância da Liturgia com os seus comentários aos Evangelhos, às festas, ao rito da Santa Missa e dos outros Sacramentos, mas ao mesmo tempo preocupa-se em mostrar aos fiéis a necessidade e a beleza que a oração pessoal diária acompanhe e impregne a participação no culto público da Igreja.

Trata-se de uma exortação e de um método que conservam intacto o seu valor, especialmente depois que foram repropostos de modo autorizado pelo Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum concilium: a vida cristã não cresce, se não for alimentada pela participação na Liturgia, de modo particular na Santa Missa dominical, e pela oração individual quotidiana, pelo contacto pessoal com Deus. No meio das mil actividades e dos múltiplos estímulos que nos circundam, é preciso encontrar todos os dias momentos de recolhimento diante do Senhor, para O ouvir e falar com Ele.

Ao mesmo tempo, é sempre actual e de valor permanente o exemplo que são Pedro Canísio nos deixou, não somente nas suas obras, mas sobretudo com a sua vida. Ele ensina com clareza que o ministério apostólico só é incisivo e produz frutos de salvação nos corações, se o pregador for testemunha pessoal de Jesus e souber ser instrumento à sua disposição, unido intimamente a Ele pela fé no seu Evangelho e na sua Igreja, por uma vida moralmente coerente e por uma prece incessante como o amor. E isto é válido para cada cristão que quiser viver com empenhamento e fidelidade a sua adesão a Cristo. Obrigado!

Sexta, 11 Fevereiro 2011 10:57

São Pedro Canísio - Catequese de Bento XVI

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Catequese do Papa: sábia mansidão de São Pedro Canísio

Queridos irmãos e irmãs:

so_pedro_cansioHoje eu gostaria de falar de Pedro Kanis - Canísio, sob a forma latina de seu nome -, uma figura importante na Igreja Católica do século XVI. Ele nasceu em 8 de maio de 1521, em Nijmegen, Holanda. Seu pai era o prefeito da cidade. Enquanto estudava na Universidade de Colônia, visitou os monges cartuxos de Santa Bárbara, um centro propulsor da vida católica, e outros homens piedosos que cultivavam a espiritualidade chamada devotio moderna. Entrou na Companhia de Jesus a 8 de maio de 1543, em Mainz (Renânia-Palatinado), depois ter frequentado um curso de exercícios espirituais sob a supervisão do Beato Pedro Fabro, Petrus Faber, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loyola. Ordenou-se sacerdote em junho 1546, em Colônia, e, no ano seguinte, esteve presente no Concílio de Trento, como teólogo do Bispo da Áustria, o cardeal Otto Truchsess von Waldburg, onde trabalhou com dois irmãos, Diego Lainez e Alfonso Salmeron.

Em 1548, Inácio o fez completar sua formação espiritual em Roma e o mandou ao Colégio de Messina, para exercitar-se em humildes serviços domésticos. Em Bologna, obteve o doutorado em teologia, em 4 de outubro de 1549, e foi então enviado por Santo Inácio à Alemanha, para o apostolado. Em 2 de setembro daquele ano, 1549, visitou o Papa Paulo III em Castel Gandolfo e, depois disso, foi para a Basílica de São Pedro para rezar. Lá, implorou a ajuda dos grandes apóstolos Pedro e Paulo, para que dessem uma eficácia permanente à bênção apostólica para o seu grande destino, para a sua nova missão. Em seu diário, ele escreveu algumas palavras da oração que fez: "Lá, senti que um grande consolo e a presença da graça me foram concedidos por meio desses intercessores (Pedro e Paulo). Eles confirmaram a minha missão na Alemanha e pareciam transmitir-me, como apóstolo da Alemanha, o apoio da sua benevolência. Senhor, tu conheces de que maneira e quantas vezes nesse mesmo dia me confiaste a Alemanha, da qual logo cuidarei e pela qual desejo viver e morrer".

Devemos lembrar que estamos na época da Reforma luterana, no momento em que a fé católica nos países de fala germânica, diante do fascínio da Reforma, parecia estar se apagando. Era um dever quase impossível o de Canísio, responsável pela revitalização e pela renovação da fé católica nos países germânicos. Isso só seria possível com a força da oração. Seria possível apenas a partir da base, ou seja, a partir de uma profunda amizade com Jesus Cristo; amizade com Cristo no seu Corpo, a Igreja, que é alimentada na Eucaristia, sua presença real.

Seguindo a missão que recebeu de Inácio e do Papa Paulo III, Canísio partiu para a Alemanha e foi, em primeiro lugar, ao Ducado da Baviera, que durante muitos anos foi a sede do seu ministério. Como decano, reitor e vice-chanceler da Universidade de Ingolstadt, cuidou da vida acadêmica do Instituto e da reforma religiosa e moral do povo. Em Viena, onde por um breve tempo foi administrador da diocese, ele desenvolveu o ministério pastoral em hospitais e prisões, tanto na cidade como no campo, e preparou a publicação do Catecismo. Em 1556, fundou o Colégio de Praga e, até 1569, foi o primeiro superior da Província Jesuíta da Alta Alemanha.

Entre estas tarefas, estabeleceu nos países germânicos uma densa rede de comunidades da sua Ordem, especialmente colégios, que foram pontos de partida para a reforma católica, para a renovação da fé católica. Nesse tempo, também participou do Colóquio de Worms, com os líderes protestantes, entre os quais estava Filippo Melantone (1557); atuou como núncio pontifício na Polônia (1558); participou das duas Dietas de Augusta (1559 e 1565); acompanhou o cardeal Stanislao Hozjusz, enviado do Papa ao Imperador Ferdinando (1560); interveio na sessão final do Concílio de Trento, onde falou sobre a questão da Comunhão sob as duas espécies e sobre o Índice de Livros Proibidos (1562).

Em 1580, retirou-se para Friburgo, na Suíça, dedicado inteiramente à pregação e à composição de suas obras. Morreu lá, em 21 de dezembro de 1597. Beatificado pelo Beato Pio IX, em 1864, foi proclamado, em 1897, segundo Apóstolo da Alemanha pelo Papa Leão XIII; foi canonizado pelo Papa Pio XI e proclamado Doutor da Igreja em 1925.

São Pedro Canísio passou grande parte de sua vida em contato com as pessoas socialmente mais importantes da sua época e exerceu uma influência especial com seus escritos. Foi editor das obras completas de São Cirilo de Alexandria e de São Leão Magno, das Cartas de São Jerônimo e das Orações de São Nicolau de Flüe. Publicou livros de devoção em vários idiomas, biografias de alguns santos suíços e muitos textos de homilética. Mas seus escritos mais populares foram os três Catecismos elaborados entre 1555 e 1558. O primeiro foi desenvolvido para estudantes com um nível de compreensão das noções elementares de teologia; o segundo, para as crianças do povoado, para o início de uma instrução religiosa; o terceiro, para jovens com uma formação escolar média ou superior. A doutrina católica foi exposta em forma de perguntas e respostas, brevemente, em termos bíblicos, de forma muito clara e sem menções críticas.

Somente durante a sua vida, foram feitas 200 edições desse Catecismo! E depois surgiram centenas de edições, até o século XX. Assim, na Alemanha, ainda na geração do meu pai, as pessoas chamavam o Catecismo simplesmente de "Canísio": ele  foi realmente o catequista dos séculos; formou a fé das pessoas durante séculos.

Esta é uma característica de São Pedro Canísio: saber apresentar harmonicamente a fidelidade aos princípios dogmáticos com o respeito devido a cada pessoa. São Canísio distinguiu a apostasia consciente e culpada da fé, da perda da fé inocente devido às circunstâncias. E declarou, diante de Roma, que a maioria dos alemães passou ao protestantismo sem ter culpa. Em um momento histórico de fortes contrastes confessionais, evitou as asperezas e a retórica da ira - uma raridade naquela época de discussões entre os cristãos -, centrando-se na apresentação das raízes espirituais e na revitalização da fé na Igreja. Para isso, foi-lhe muito útil o vasto e penetrante conhecimento que tinha das Sagradas Escrituras e dos Padres da Igreja: o mesmo conhecimento que refletia sua relação pessoal com Deus e a austera espiritualidade que derivada da devotio moderna e da mística renana.

A característica da espiritualidade de São Canísio é uma amizade profunda com Jesus. Por exemplo, escreveu em seu diário, no dia 4 de setembro de 1549, conversando com o Senhor: "Tu, no final, como se pudesses abrir o coração do Santíssimo Corpo, que eu parecia ver na minha frente, mandaste-me beber dessa fonte, convidando-me, por assim dizer, a tirar as águas da minha salvação das tuas fontes, ó meu Salvador". Percebe-se que o Salvador lhe dá uma veste com três partes, que se chamam paz, amor e perseverança. E com essa vestimenta feita de paz, amor e perseverança, Canísio realizou o seu trabalho de renovação do catolicismo. Esta amizade com Jesus - que é o centro de sua personalidade -, nutrida pelo amor à Bíblia, pelo amor ao Sacramento, pelo amor aos Padres, estava claramente unida à consciência de ser, na Igreja, um continuador da missão dos Apóstolos. E isso nos lembra que todo evangelizador é sempre um instrumento unido - e, por isso mesmo, fecundo - a Jesus e à sua Igreja.

São Pedro Canísio tinha se formado nessa amizade com Jesus dentro da atmosfera espiritual da Cartuxa de Colônia, onde ele tinha mantido contato próximo com os dois místicos cartuxos, Johann Lansperger, latinizado como Lanspergius, e Nicolas van Hesch, latinizado como Eschius. Mais tarde, aprofundou na experiência dessa amizade, familiaritas stupenda nimis, com a contemplação dos mistérios da vida de Jesus, que ocupam uma grande parte dos Esercizi spirituali de Santo Inácio. Sua intensa devoção ao Coração do Senhor, que culminou na consagração ao ministério apostólico na Basílica Vaticana, encontra aqui seu fundamento.

Na espiritualidade cristocêntrica de São Pedro Canísio existe uma convicção profunda: não existe alma cuidadosa da própria perfeição que não pratique todos os dias a oração mental, caminho ordinário que permite que o discípulo de Jesus viva a intimidade com o divino Mestre. Por isso, nos escritos destinados à educação espiritual do povo, nosso santo salienta a importância da liturgia com os comentários sobre os Evangelhos, as festas, o rito da Santa Missa e demais sacramentos, mas, ao mesmo tempo, preocupa-se por mostrar aos fiéis a necessidade e a beleza de que a oração pessoal diária acompanhe e inspire a participação no culto público da Igreja.

Trata-se de uma exortação e de um método que conservam intacto o seu valor, especialmente depois de terem sido propostos novamente pelo Concílio Vaticano II, na constituição Sacrosanctum Concilium: a vida cristã não crescerá se não for alimentada pela participação na liturgia, em particular na Santa Missa dominical, e pela oração pessoal diária, pelo contato pessoal com Deus. Entre as muitas atividades e os múltiplos estímulos que nos cercam, é preciso encontrar, cada dia, momentos de recolhimento diante do Senhor, para ouvi-lo e falar com Ele.

Ao mesmo tempo, é sempre atual e de valor permanente o exemplo que São Pedro Canísio nos deixou, não só em suas obras, mas acima de tudo com sua vida. Ele nos ensina claramente que o ministério apostólico é incisivo e produz frutos de salvação no coração somente se o pregador for uma testemunha pessoal de Jesus e souber ser um instrumento à sua disposição, intimamente unido a Ele pela fé no seu Evangelho e na sua Igreja, por uma vida moralmente coerente e por uma oração incessante como o amor. E isso se aplica a todo cristão que quer viver com esforço e fidelidade sua adesão a Cristo. Obrigado.

Sexta, 04 Fevereiro 2011 20:10

Santa Joana D' Arc

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Estimados irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma jovem santa do fim da Idade Média, morta com 19 anos em 1431. Esta santa francesa, citada várias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está particularmente próxima de santa Catarina de Sena, padroeira da Itália e da Europa, de quem falei numa catequese recente. Com efeito, são duas jovens do povo, leigas e consagradas na virgindade; duas místicas comprometidas, não no claustro, mas sim no meio das realidades mais dramáticas da Igreja e do mundo da sua época. São, talvez, as figuras mais características daquelas «mulheres fortes» que, no final da Idade Média, propagaram sem medo a grande luz do Evangelho nas complexas vicissitudes da história. Poderíamos compará-las com as santas mulheres que permaneceram no Calvário, perto de Jesus Crucificado e de Maria, sua Mãe, enquanto os Apóstolos fugiram e o próprio Pedro O tinha negado três vezes. Naquele período, a Igreja vivia a profunda crise do grande cisma do Ocidente, que durou quase 40 anos. Quando Catarina de Siena faleceu, em 1380, havia um Papa e um antipapa; quando Joana nasceu, em 1412, havia um Papa e dois antipapas. Juntamente com esta laceração no interior da Igreja havia contínuas guerras fratricidas entre os povos cristãos da Europa, das quais a mais dramática foi a interminável «Guerra dos cem anos» entre a França e a Inglaterra.

santa_joana_darcJoana d’Arc não sabia ler nem escrever, mas pode ser conhecida no mais profunda da sua alma graças a duas fontes de extraordinário valor histórico: os dois Processos que lhe dizem respeito. O primeiro, o Processo de Condenação (PCon), contém a transcrição dos longos e numerosos interrogatórios de Joana, durante os últimos meses da sua vida (Fevereiro-Maio de 1431), e cita as próprias palavras da santa. O segundo, o Processo de Nulidade da Condenação, ou de «Reabilitação» (PNul), contém as desposições de cerca de 120 testemunhas oculares de todos os períodos da sua vida (cf. Procès de Condamnation de Jeanne d'Arc, 3 vols. e Procès en Nullité de la Condamnation de Jeanne d'Arc, 5 vols., ed. Klincksieck, Paris 1960-1989).

Joana nasce em Domremy, um pequeno povoado situado na fronteira entre a França e a Lorena. Os seus pais são camponeses abastados, conhecidos por todos como cristãos excelentes. Deles recebe uma boa educação religiosa, com uma notável influência da espiritualidade do Nome de Jesus, ensinada por são Bernardino de Sena e propagada na Europa pelos franciscanos. Ao Nome de Jesus é sempre unido o Nome de Maria e assim, por detrás da religiosidade popular, a espiritualidade de Joana é profundamente cristocêntrica e mariana. Desde a infância, ela demonstra uma grande caridade e compaixão pelos mais pobres, pelos doentes e por todos os que sofrem, no contexto dramático da guerra.

Das suas próprias palavras sabemos que a vida religiosa de Joana amadurece como experiência mística a partir da idade de 13 anos (PCon, I, pp. 47-48). Através da «voz» do ancanjo são Miguel, Joana sente-se chamada pelo Senhor a intensificar a sua vida cristã e também a comprometer-se pessoalmente pela libertação do seu povo. A sua resposta imediata, o seu «sim» é o voto de virgindade, com um novo compromisso na vida sacramental e na oração: participação quotidiana na Missa, Confissão e Comunhão frequentes, longos momentos de oração silenciosa diante do Crucifixo ou da imagem de Nossa Senhora. A compaixão e o compromisso da jovem camponesa francesa diante do sofrimento do seu povo tornam-se mais intensos graças à sua relação mística com Deus. Um dos aspectos mais originais da santidade desta jovem é precisamente este vínculo entre experiência mística e missão política. Depois dos anos de vida escondida e de amadurecimento interior segue-se o biénio breve, mas intenso, da sua vida pública: um ano de acção e um ano de paixão.

No início do ano de 1429, Joana começa a sua obra de libertação. Os numerosos testemunhos mostram-nos esta jovem de apenas 17 anos como uma pessoa muito forte e determinada, capaz de convencer homens inseguros e desanimados. Superando todos os obstáculos, encontra o Delfim da França, o futuro Rei Carlos VII, que em Poitiers a submete a um exame da parte de alguns teólogos da Universidade. O seu juízo é positivo: nela não vêem nada de mal, mas só uma boa cristã.

A 22 de Março de 1429, Joana dita uma importante carta ao Rei da Inglaterra e aos seus homens que assediam a cidade de Orléans (Ibid., pp. 221-222). A sua proposta é de verdadeira paz na justiça entre os dois povos cristãos, à luz dos Nomes de Jesus e de Maria, mas é rejeitada, e Joana deve empenhar-se na luta pela libertação da cidade, que tem lugar no dia 8 de Maio. O outro momento culminante da sua obra é a coroação do Rei Carlos VII em Reims, no dia 17 de Julho de 1429. Durante um ano inteiro, Joana vive com os soldados, realizando no meio deles uma verdadeira missão de evangelização. São numerosos os testemunhos relativos à sua bondade, à sua coragem e à sua pureza extraordinária. É chamada por todos e ela mesma define-se «a donzela», ou seja, a virgem.

A paixão de Joana tem início a 23 de Maio de 1430, quando cai prisioneira nas mãos dos seus inimigos. No dia 23 de Dezembro é conduzida à cidade de Rouen. É ali que se realiza o longo e dramático Processo de Condenação, que começa em Fevereiro de 1431 e termina a 30 de Maio, com a fogueira. É um processo grande e solene, presidido por dois juízes eclesiásticos, o bispo Pierre Cauchon e o inquisidor Jean le Maistre, mas na realidade inteiramente orientado por um numeroso grupo de teólogos da célebre Universidade de Paris, que participam no processo como assessores. São eclesiásticos franceses que, tendo feito uma escolha política oposta àquela de Joana, têm a priori um juízo negativo sobre a sua pessoa e a sua missão. Este processo é uma página devastante da história da santidade e também uma página iluminadora sobre o mistério da Igreja que, segundo as palavras do Concílio Vaticano II, é «simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação» (LG, 8). É o encontro dramático entre esta santa e os seus juízes, que são eclesiásticos. Joana é acusada e julgada por eles, a ponto de ser condenada como herege e enviada à morte terrível na fogueira. Diversamente dos santos teólogos que tinham iluminado a Universidade de Paris, como são Boaventura, são Tomas de Aquino e o beato beato Duns Scoto, dos quais falei em algumas catequeses, estes juízes são teólogos aos quais faltam a caridade e a humildade de ver nesta jovem a obra de Deus. Vêm à mente as palavra de Jesus, segundo as quais os mistérios de Deus são revelados àqueles que têm o coração das crianças, enquanto permanecem escondidos aos doutos e sábios que não têm humildade (cf. Lc 10, 21). Assim, os juízes de Joana são radicalmente incapazes de a compreender, de ver a beleza da sua alma: não sabiam que condenavam uma santa.

O apelo de Joana ao juízo do Papa, a 24 de Maio, é rejeitado pelo tribunal. Na manhã de 30 de Maio ela recebe pela última vez a sagrada Comunhão no cárcere e é imediatamente conduzida ao suplício na praça do velho mercado. Pede a um dos sacerdotes que conserve diante da fogueira uma cruz de procissão. Assim, morre contemplando Jesus Crucificado e pronunciando várias vezes e em voz alta o Nome de Jesus (PNul, I, p. 457; cf. Catecismo da Igreja Católica, 435). Cerca de 25 anos mais tarde, o Processo de Nulidade, aberto sob a autoridade do Papa Calisto III, conclui-se com uma solene sentença que declara nula a condenação (7 de Julho de 1456; PNul, II, pp. 604-610). Este longo processo, que reuniu as deposições das testemunhas e os juízos de muitos teólogos, todos favoráveis a Joana, evidencia a sua inocência e a sua fidelidade perfeita à Igreja. Joana d’Arc será depois canonizada por Bento XV, em 1920.

Prezados irmãos e irmãs o Nome de Jesus, invocado pela nossa santa até nos últimos instantes da sua vida terrena, era como que o suspiro contínuo da sua alma, como a palpitação do seu coração, o centro de toda a sua vida. O «Mistério da caridade de Joana d’Arc», que tanto tinha fascinado o poeta Charles Péguy, é este amor total por Jesus, e pelo próximo em Jesus e por Jesus. Esta santa tinha compreendido que o Amor abraça toda a realidade de Deus e do homem, do céu e da terra, da Igreja e do mundo. Jesus está sempre em primeiro lugar na sua vida, segundo a sua bonita expressão: «Nosso Senhor, o primeiro a ser servido» (PCon, I, p. 288; cf. Catecismo da Igreja Católica, 223). Amá-lo significa obedecer sempre à sua vontade. Ela afirma com total confiança e abandono: «Entrego-me a Deus meu Criador, amo-O com todo o meu coração» (Ibid., p. 337). Com o voto de virgindade, Joana consagra de modo exclusivo toda a sua pessoa ao único Amor de Jesus: é «a sua promessa feita a nosso Senhor, de conservar bem a sua virgindade de corpo e de alma» (Ibid., pp. 149-150). A virgindade da alma é o estado de graça, valor supremo, para ela mais precioso do que a vida: é um dom de Deus, que deve ser recebido e conservado com humildade e confiança. Um dos textos mais conhecidos do primeiro Processo diz respeito precisamente a isto: Interrogada se sabia que estava na graça de Deus, responde: se não estou nela, que Deus me queira pôr; se aí estou, Deus me queira conservar» (Ibid., p. 62; cf. Catecismo da Igreja Católicaa, n. 2005).

A nossa santa vive a oração na forma de um diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina também o seu diálogo com os juízes e lhe dá paz e segurança. Ela pede com confiança: «Dulcíssimo Deus, em honra da vossa santa Paixão, peço-vos, se me amais, que me reveleis como devo responder a estes homens de Igreja» (Ibid., p. 252). Jesus é contemplado por Joana como o «Rei do Céu e da Terra». Assim, no seu estandarte, Joana mandou pintar a imagem de «Nosso Senhor que mantém o mundo» (Ibid., p. 172): ícone da sua missão política. A libertação do seu povo é uma obra de justiça humana, que Joana realiza na caridade, por amor a Jesus. O seu é um bonito exemplo de santidade para os leigos comprometidos na vida política, sobretudo nas situações mais difíceis. A fé é a luz que orienta todas as opções, como testemunhará um século mais tarde outro grande santo, o inglês Tomás More. Em Jesus, Joana contempla também toda a realidade da Igreja, tanto a «Igreja triunfante» do Céu, como a «Igreja militante» da terra. Segundo as suas palavras, «um só é Nosso Senhor e a Igreja» (Ibid., p. 166). Esta afirmação, citada pelo Catecismo da Igreja Católica (cf. n. 795), tem uma índole verdadeiramente heróica no contexto do Processo de Condenação, diante dos seus juízes, homens de Igreja, que a perseguiram e a condenaram. No Amor de Jesus, Joana encontra a força para amar a Igreja até ao fim, inclusive no momento da condenação.

Apraz-me recordar como santa Joana d’Arc teve uma profunda influência sobre uma jovem santa da época moderna: Teresa do Menino Jesus. Numa vida completamente diferente, transcorrida na clausura, a carmelita de Lisieux sentia-se muito próxima de Joana, vivendo no coração da Igreja e participando nos padecimentos de Cristo para a salvação do mundo. A Igreja reuniu-as como Padroeiras da França, depois da Virgem Maria. Santa Teresa tinha expresso o seu desejo de morrer como Joana, pronunciando o Nome de Jesus (Manuscritto B, 3r), e era animada pelo mesmo grande amor a Jesus e ao próximo, vivido na virgindade consagrada.

Queridos irmãos e irmãs, com o seu testemunho luminoso, santa Joana d’Arc convida-nos a uma medida alta da vida cristã: fazer da oração o fio condutor dos nossos dias; ter plena confiança no cumprimento da vontade de Deus, qualquer que ela seja; viver a caridade sem favoritismos, sem limites e, como ela, haurindo do Amor de Jesus um profundo amor pela Igreja. Obrigado!

Santa Teresa de Ávila [de Jesus]

Prezados irmãos e irmãs!

Durante as Catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e de mulheres da Idade Média tive a oportunidade de meditar também sobre alguns Santos e Santas que foram proclamados Doutores da Igreja pela sua doutrina eminente. Hoje gostaria de começar uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja. E começo com uma santa que representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos: santa Teresa de Ávila [de Jesus].

STeresAvilaNasce em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na autobiografia ela menciona alguns pormenores da sua infância: o nascimento de «pais virtuosos e tementes a Deus», numa família numerosa, com nove irmãos e três irmãs. Ainda menina, com menos de 9 anos, tem a ocasião de ler as vidas de alguns mártires que lhe inspiram o desejo do martírio, a tal ponto que improvisa uma breve fuga de casa para morrer mártir e subir ao Céu (cf. Vida 1, 4); «Quero ver Deus», diz a pequena aos pais. Alguns anos depois, Teresa falará da suas leituras da infância e afirmará que nelas descobriu a verdade, que resume com dois princípios fundamentais: por um lado, «o facto de que tudo o que pertence ao mundo daqui, passa»; por outro, que só Deus é «para sempre», tema que retorna na celebérrima poesia «Nada te turbe / nada te espante; / tudo passa. Deus não muda; / a paciência obtém tudo; / quem possui Deus / nada lhe falta / só Deus basta!». Tendo ficado órfã de mãe com doze anos, pede à Virgem Santissima que lhe seja mãe (cf. Vida 1, 7).

Se na adolescência a leitura de livros profanos a tinha levado às distracções de uma vida mundana, a experiência como aluna das monjas agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura de livros espirituais, sobretudo clássicos de espiritualidade franciscana, ensinam-lhe o recolhimento e a oração. Com vinte anos entra no mosteiro carmelita da Encarnação, ainda em Ávila; na vida religiosa assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois adoece gravemente, a ponto de ficar 4 dias de coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Até na luta contra as próprias doenças a santa vê o combate contra as fraquezas e as resistências à chamada de Deus: «Eu desejava viver — escreve — porque entendia bem que não estava a viver, mas sim a lutar com uma sombra de morte, e não tinha alguém que me desse vida, e nem eu a podia tomar, e Aquele que ma podia dar tinha razão de não me socorrer, dado que muitas vezes me dirigira para Ele, e eu O tinha abandonado» (Vida 8, 2). Em 1543 perde a proximidade dos familiares: o pai falece e todos os seus irmãos emigram, um após o outro, para a América. Na Quaresma de 1554, com 39 anos, Teresa chega ao ápice da luta contra as próprias debilidades. A descoberta da imagem de «um Cristo muito chagado» marca profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que nesse período encontra profunda consonância com o santo Agostinho das Confissões, assim descreve o dia decisivo da sua experiência mística: «Acontece... que de repente tive a sensação da presença de Deus, que de nenhum modo eu podia duvidar que estava dentro de mim, e que eu estava totalmente absorvida nele» (Vida 10, 1).

Paralelamente ao amadurecimento da sua interioridade, a santa começa a desenvolver de modo concreto o ideal de reforma da Ordem carmelita: em 1562 funda em Ávila, com o apoio do Bispo da cidade, D. Alvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e pouco depois recebe também a aprovação do Superior-Geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes continua as fundações de novos Carmelos, 17 no total. É fundamental o encontro com são João da Cruz com quem, em 1568, constitui em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento de Carmelitas descalços. Em 1580 obtém de Roma a erecção a Província autónoma para os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem religiosa dos Carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena precisamente enquanto está empenhada na tarefa de fundação. Com efeito em 1582, depois de ter constituído o Carmelo de Burgos e enquanto voltava para Ávila, falece na noite de 15 de Outubro em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas expressões: «No fim, morro como filha da Igreja» e «Meu Esposo, chegou a hora de nos vermos». Uma existência consumida na Espanha, mas despendida pela Igreja inteira. Beatificata pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV, é proclamada «Doutora da Igreja» pelo Servo de Deus Paulo VI em 1970.

Teresa de Jesus não tinha uma formação académica, mas sempre valorizou os ensinamentos de teólogos, letrados e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve àquilo que pessoalmente vivera ou vira na experiência do próximo (cf. Prólogo ao Caminho de Perfeição), isto é, a partir da experiência. Teresa consegue manter relações de amizade espiritual com muitos santos, em especial com são João da Cruz. Ao mesmo tempo, alimenta-se com a leitura dos Padres da Igreja, são Jerónimo, são Gregório Magno e santo Agostinho. Entre as suas principais obras deve-se recordar sobretudo a autobiografia, intitulada Livro da vida, ao qual ela chama Livro das Misericórdias do Senhor. Composta no Carmelo de Ávila em 1565, discorre sobre o percurso biográfico e espiritual, escrito como afirma a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do «Mestre dos espirituais», são João de Ávila. A finalidade é evidenciar a presença e a acção de Deus misericordioso na sua vida: por isso, a obra cita com frequência o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina, porque a santa não só narra, mas mostra que revive a profunda experiência da sua relação com Deus. Em 1566, Teresa escreve o Caminho de Perfeição, por ela chamado Admoestações e conselhos que Teresa dá de Jesus às suas monjas. Destinatárias são as doze noviças do Carmelo de são José em Ávila. Teresa propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais preciosos, o comentário ao Pai-Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de santa Teresa é o Castelo interior, escrito em 1577, em plena maturidade. Trata-se de uma releitura do próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, de uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a acção do Espírito Santo. Teresa inspira-se na estrutura de um castelo com sete quartos, como imagem da interioridade do homem, introduzindo ao mesmo tempo o símbolo do bicho da seda que renasce como borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa inspira-se na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, para o símbolo final dos «dois Esposos», que lhe permite descrever no sétimo quarto o ápice da vida cristã nos seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua obra de fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o Livro das fundações, escrito de 1573 a 1582, em que fala da vida do grupo religioso nascente. Como na autobiografia, a narração visa frisar sobretudo a acção de Deus na obra de fundação dos novos mosteiros.

Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e minuciosa espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base de toda a vida cristã e humana: em especial, o desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer as virtudes humanas: a afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, santa Teresa propõe uma profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.

Depois, a santa realça como a oração é essencial; orar, diz, «significa frequentar com amizade, porque frequentamos face a face Aquele que sabemos que nos ama» (Vida 8, 5). A ideia de santa Teresa coincide com a definição que s. Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como «amicitia quaedam hominis ad Deum», um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II, 23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento da vida cristã: começa com a prece vocal, passa pela interiorização mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um desenvolvimento em que subir os degraus mais altos quer dizer deixar o precedente tipo di oração, mas é antes um aprofundar-se gradual da relação com Deus que envolve toda a vida. Mais do que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira «mistagogia»: ao leitor das suas obras ensina a rezar, orando ela mesma com ele; com efeito, frequentemente interrompe a narração ou a exposição para irromper em oração.

Outro tema amado pela santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Com efeito, para Teresa a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que culmina na união com Ele pela graça, amor e imitação. Daqui a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, pela vida de cada crente e como centro da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: manifesta um «sensus Ecclesiae» vivo diante dos episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem carmelita com a intenção de melhor servir e defender a «Santa Igreja Católica Romana», disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33, 5).

Um último aspecto essencial da doutrina teresiana, que gostaria de frisar, é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta final. A santa tem uma ideia muito clara da «plenitude» de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do Castelo interior, no último «quarto», Teresa descreve tal plenitude realizada na morada da Trindade, na união a Cristo através do mistério da sua humanidade.

Caros irmãos e irmãs, santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes carente de valores espirituais, santa Teresa ensina-nos a ser testemunhas indefessas de Deus, da sua presença e acção, ensina-nos a sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com Ele e de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e que devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta santa, profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós deveriam dizer: «Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida». Por isso, o tempo da oração não é perdido, é tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos irmãos. Obrigado!

Santa Catarina de Génova

Prezados irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de vos falar de outra santa que tem o nome de Catarina, depois de Catarina de Sena e Catarina de Bolonha; falo de Catarina de Génova, conhecida sobretudo pela sua visão sobre o purgatório. O texto que descreve a sua vida e o seu pensamento foi publicado nessa cidade da Ligúria em 1551; ele é dividido em três parte: a Vida propriamente dita, a Demonstração e declaração do purgatório — mais conhecida como Tratado — e o Diálogo entre a alma e o corpo (cf. Livro da Vida admirável e da doutrina santa, da beata Catarina de Génova, que contém uma útil e católica demonstração e declaração do purgatório, Génova, 1551). O redactor final foi o confessor de Catarina, o sacerdote Cattaneo Marabotto.

Catarina nasceu em Génova, em 1447; última de cinco filhos, ficou órfã do pai, Giacomo Fieschi, ainda em tenra idade. A mãe, Francesca di Negro, dispensou uma válida educação cristã, a tal ponto que a maior das duas filhas se tornou religiosa. Com 16 anos, Catarina foi concedida como esposa a Giuliano Adorno, um homem que, depois de várias experiências comerciais e militares no Médio Oriente, tinha regressado a Génova para casar. A vida matrimonial não foi fácil, também devido à índole do marido, apaixonado pelo jogo de azar. Inicialmente, a própria Catarina foi induzida a levar um tipo de vida mundana em que, contudo, não conseguia encontrar a serenidade. Depois de dez anos, no seu coração havia um profundo sentido de vazio e de amargura.

A conversão teve início a 20 de Março de 1473, graças a uma experiência singular. Tendo ido à igreja de são Bento e ao mosteiro de Nossa Senhora das Graças para se confessar, ajoelhou-se diante do sacerdote e «recebeu — como ela mesma escreve — uma chaga no coração, de um imenso amor de Deus», com uma visão tão clarividente das suas misérias e dos seus defeitos e, ao mesmo tempo, da bondade de Deus, que quase desmaiou. Foi tocada no coração por este conhecimento de si mesma, da vida vazia que ela levava e da bondade de Deus. Desta experiência derivou a decisão que orientou toda a sua vida, expressa com estas palavras: «Basta com o mundo e com os pecados» (cf. Vida admirável, 3rv). Então Catarina fugiu, suspendendo a Confissão. Voltou para casa, entrou no quarto mais escondido e chorou prolongadamente. Naquele momento, foi instruída interiormente sobre a oração e adquiriu a consciência do imenso amor de Deus por ela, pecadora, uma experiência espiritual que não conseguia expressar com palavras (cf. Vida admirável, 4r). Foi nessa ocasião que lhe apareceu Jesus sofredor que carregava a cruz, como é frequentemente representado na iconografia da santa. Poucos dias depois, foi ter com o sacerdote para finalmente realizar uma boa Confissão. Aqui teve início aquela «vida de purificação» que, durante muito tempo, lhe fez sentir uma dor constante pelos pecados cometidos e que a impeliu a impor-se penitências e sacrifícios para demonstrar o seu amor a Deus.

Neste caminho, Catarina foi-se aproximando cada vez mais do Senhor, até entrar naquela que é denominada «vida unitiva», ou seja, uma relação de profunda união com Deus. Na Vida está escrito que a sua alma era orientada e ensinada interiormente só pelo dócil amor de Deus, que lhe concedia tudo aquilo que ela precisava. Catarina abandonou-se de modo tão total nas mãos do Senhor que chegou a viver, durante cerca de vinte e cinco anos — como ela escreve — «sem o intermédio de qualquer criatura, instruída e governada unicamente por Deus» (Vida, 117r-118r), alimentada sobretudo pela oração constante e pela Sagrada Comunhão recebida todos os dias, o que não era comum na sua época. Só muitos anos mais tarde o Senhor lhe concedeu um sacerdote que cuidasse da sua alma.

Catarina hesitava sempre em confiar e manifestar a sua experiência de comunhão mística com Deus, sobretudo pela profunda humildade que sentia diante das graças do Senhor. Foi só a perspectiva de dar glória a Ele e de poder favorecer o caminho espiritual de outros que a levou a narrar aquilo que se verificava nela, a partir do momento da sua conversão, que é a sua experiência originária e fundamental. O lugar da sua ascensão aos vértices místicos foi o hospital de Pammatone, a maior estrutura hospitalar genovesa, da qual foi directora e animadora. Portanto, não obstante esta profundidade da sua vida interior, Catarina vive uma existência totalmente activa. Em Pammatone foi-se formando ao seu redor um grupo de seguidores, discípulos e colaboradores, fascinados pela sua vida de fé e pela sua caridade. O próprio marido, Giuliano Adorno, foi conquistado por ela, a ponto de abandonar a sua vida desregrada, de se tornar terciário franciscano e de se transferir para o hospital, para oferecer a sua ajuda à esposa. O compromisso de Catarina no cuidado dos doentes continuou até ao fim do seu caminho terreno, a 15 de Setembro de 1510. Desde a conversão até à morte, não houve acontecimentos extraordinários, mas dois elementos caracterizaram toda a sua existência: por um lado a experiência mística, ou seja, a profunda união com Deus, sentida como uma união esponsal e, por outro, a assistência aos enfermos, a organização do hospital e o serviço ao próximo, especialmente aos mais necessitados e abandonados. Estes dois pólos — Deus e o próximo — preencheram totalmente a sua vida, transcorrida praticamente entre as paredes do hospital.

Estimados amigos, nunca devemos esquecer que quanto mais amarmos a Deus e formos constantes na oração, tanto mais conseguiresmos amar verdadeiramente quantos estão ao nosso redor, quem está perto de nós, porque seremos capazes de ver em cada pessoa o Rosto do Senhor, que ama sem limites nem distinções. A mística não cria distâncias em relação ao outro, não cria uma vida abstracta, mas sobretudo aproxima do outro, porque se começa a ver e a agir com os olhos, com o Coração de Deus.

O pensamento de Catarina sobre o purgatório, pelo qual ela é particularmente conhecida, está condensado nas últimas duas partes do livro citado no início: o Tratado sobre o purgatório e o Diálogo entre a alma e o corpo. É importante observar que, na sua experiência mística, Catarina jamais tem revelações específicas sobre o purgatório ou sobre as almas que ali estão a purificar-se. Todavia, nos escritos inspirados pela nossa santa, é um elemento central, e o modo de o descrever tem características originais em relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao «lugar» da purificação das almas. No seu tempo, ele era representado principalmente com o recurso a imagens ligadas ao espço: pensava-se num certo espaço, onde se encontraria o purgatório. Em Catarina, ao contário, o purgatório não é apresentado como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o purgatório, um fogo interior. A santa fala do caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus (cf. Vida admirável, 171v). Ouvimos sobre o momento da conversão, quando Catarina sente repentinamente a bondade de Deus, a distância infinita da própria vida desta bondade e um fogo ardente no interior de si mesma. E este é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há um traço original em relação ao pensamento do tempo. Com efeito, não se começa a partir do além para narrar os tormentos do purgatório — como era habitual naquela época e talvez ainda hoje — e depois indicar o caminho para a purificação ou a conversão, mas a nossa santa começa a partir da própria experiência interior da sua vida a caminho da eternidade. A alma — diz Catarina — apresenta-se a Deus ainda vinculada aos desejos e à pena que derivam do pecado, e isto torna-lhe impossível regozijar com a visão beatífica de Deus. Catarina afirma que Deus é tão puro e santo que a alma com as manchas do pecado não pode encontrar-se na presença da majestade divina (cf. Vida admirável, 177r). E também nós sentimos como estamos distantes, como estamos repletos de tantas coisas, a ponto de não podermos ver Deus. A alma está consciente do imenso amor e da justiça perfeita de Deus e, por conseguinte, sofre por não ter correspondido de modo correcto e perfeito a tal amor, e precisamente o amor a Deus torna-se chama, é o próprio amor que a purifica das suas escórias de pecado.

Em Catarina entrevê-se a presença de fontes teológicas e místicas das quais era normal haurir na sua época. Em particular, encontra-se uma imagem típica de Dionísio, o Areopagita, ou seja, aquela do fio de ouro que liga o coração humano ao próprio Deus. Quando Deus purifica o homem, liga-o com um fio de ouro extremamente fino, que é o seu mor, e atrai-o a si com um afecto tão forte, que o homem permanece como que «superado, vencido e totalmente fora de si». Assim, o coração do homem é invadido pelo amor de Deus, que se torna o único guia, o único motor da sua existência (cf. Vida admirável, 246rv). Esta situação de elevação a Deus e de abandono à sua vontade, expressa na imagem do fio, é utilizada por Catarina para manifestar a obra da luz divina nas almas do purgatório, luz que as purifica e eleva aos esplendores dos raios fúlgidos de Deus (cf. Vida admirável, 179r).

Queridos amigos, na sua experiência de união com Deus os santos alcançam um «saber» tão profundo dos mistérios divinos, no qual o amor e o conhecimento se compenetram, a ponto de ajudarem os próprios teólogos no seu compromisso de estudo, de intelligentia fidei, de intelligentia dos mistérios da fé, de aprofundamento real dos mistérios, por exemplo daquilo que é o purgatório.

Com a sua vida, santa Catarina ensina-nos que quanto mais amamos a Deus e entramos em intimidade com Ele na oração, tanto mais Ele se faz conhecer e acende o nosso coração com o seu amor. Escrevendo acerca do purgatório, a santa recorda-nos uma verdade fundamental da fé, que se torna para nós um convite a rezar pelos defuntos, a fim de que eles possam chegar à visão beatífica de Deus na comunhão dos santos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1032). Além disso, o serviço humilde, fiel e generoso, que a santa prestou durante toda a sua vida no hospital de Pammatone, é um exemplo luminoso de caridade para todos e um encorajamento especialmente para as mulheres que oferecem uma contribuição fundamental para a sociedade e a Igreja com a sua obra preciosa, enriquecida pela sua sensibilidade e pela atenção aos mais pobres e necessitados. Obrigado!

Sexta, 12 Novembro 2010 08:53

São Josafá

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saojosafaHoje celebramos a memória do santo Bispo que derramou o seu sangue por amor do Supremo e Único Pastor das ovelhas, tornando-se precursor do ecumenismo. João Kuncevicz nasceu em Wladimir (Ucrânia), no ano de 1580, numa família de ortodoxos, ou seja, ligados à Igreja Bizantina e não à Igreja Romana. 

Com a mudança de vida mudou também o nome para Josafá, pois era comerciante até que, tocado pelo Espírito do Senhor, abraçou a fé católica e entrou para a Ordem de São Basílio, na qual, como monge desde os 24 anos, tornou-se apóstolo da unidade e sacerdote do Senhor. Dotado de muitas virtudes e dons, foi superior de vários conventos, até tornar-se Arcebispo de Polotsk em 1618 e lutar pela formação do Clero, pela catequese do povo e pela evangelização de todos. 

São Josafá, além de promover com o seu testemunho a caridade para com os pobres, desgastou-se por inteiro na promoção da unidade da Igreja Bizantina com a Romana; por isso conseguiu levar muitos a viverem unidos na Igreja de Cristo. Os que entravam em comunhão com a Igreja Romana, como Josafá, passaram a ser chamados de "uniatas", ou seja, excluídos e acusados de maus patriotas e apóstolos, segundo os ortodoxos. Aconteceu que numa viagem pastoral, Josafá, com 43 anos na época, foi atacado, maltratado e martirizado. Após ser assassinado, São Josafá foi preso a um cão morto e lançado num rio. Dessa forma, entrou no Céu, donde continua intercedendo pela unidade dos cristãos, tanto assim que os próprios assassinos mais tarde converteram-se à unidade desejada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Margarida de Oingt

Queridos irmãos e irmãs,

No ano 1288, foi eleita Priora da Cartuxa de Poleteins (França) Margarida de Oingt. Dotada de uma personalidade simples, linear e afectuosa, concebe a vida inteira como um caminho de purificação até à plena configuração com Cristo. Ele é o Livro que havemos de gravar diariamente no nosso coração e na nossa vida, de modo especial a sua paixão salvífica. Desde manhã cedo, Margarida dedica-se ao estudo deste Livro; quando o contemplou bem, começa a ler no livro da sua consciência, que lhe revela a falsidade e as mentiras da sua vida, se comparada com as palavras e as acções de Jesus, com o Livro da vida d’Ele. Da contemplação do amor de Cristo por nós, nascem a força e a alegria de responder com igual amor, colocando a nossa vida ao serviço de Deus e dos outros.

Fonte: www.vatican.va

Santa Brígida da Suécia

Estimados irmãos e irmãs!

Na férvida vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, o Venerável Servo de Deus João Paulo II proclamou Santa Brígida da Suécia co-Padroeira de toda a Europa. Hoje de manhã, gostaria de apresentar a sua figura, a sua mensagem e os motivos pelos quais esta santa mulher tem muito a ensinar — ainda hoje — à Igreja e ao mundo.

santabrigidaConhecemos bem os acontecimentos da vida de Santa Brígida, porque os seus padres espirituais redigiram a sua biografia para promover o seu processo de canonização imediatamente depois da sua morte, ocorrida em 1373. Brígida nasceu setenta anos antes, em 1303, em Finster, na Suécia, uma nação do norte da Europa que, havia três séculos, tinha acolhido a fé cristã com o mesmo entusiasmo com que a Santa a recebera dos seus pais, pessoas muito piedosas, pertencentes a nobres famílias próximas da Casa reinante.

Podemos distinguir dois períodos na vida desta Santa.

O primeiro é caracterizado pela sua condição de mulher felizmente casada. O marido chamava-se Ulf e era governador de um importante distrito do Reino da Suécia. O matrimónio durou vinte e oito anos, até à morte de Ulf. Nasceram oito filhos, dos quais a segunda Karin (Catarina), é venerada como Santa. Isto é um sinal eloquente do compromisso educativo de Brígida em relação aos seus próprios filhos. De resto, a sua sabedoria pedagógica foi apreciada a tal ponto, que o rei da Suécia, Magnus, a chamou à corte por um certo período, com a finalidade de introduzir a sua jovem esposa, Bianca de Namur, na cultura sueca.

Brígida, espiritualmente guiada por um douto religioso que a iniciou no estudo das Escrituras, exerceu uma influência muito positiva sobre a própria família que, graças à sua presença, se tornou uma verdadeira «igreja doméstica». Juntamente com o marido, adoptou a Regra dos Terciários franciscanos. Praticava com generosidade obras de caridade em prol dos indigentes; fundou também um hospital. Ao lado da sua esposa, Ulf aprendeu a melhorar a sua índole e a progredir na vida cristã. Quando regressou de uma longa peregrinação a Santiago de Compostela, realizada em 1341 juntamente com outros membros da família, os cônjuges amadureceram o projecto de viver em continência; mas pouco tempo mais tarde, na paz de um mosteiro onde se tinha retirado, Ulf concluiu a sua vida terrena.

Este primeiro período da vida de Brígida ajuda-nos a apreciar aquela que hoje poderíamos definir uma autêntica «espiritualidade conjugal»: juntos, os cônjuges cristãos podem percorrer um caminho de santidade, sustentados pela graça do Sacramento do Matrimónio. Não poucas vezes, precisamente como aconteceu na vida de Santa Brígida e de Ulf, é a mulher que, com a sua sensibilidade religiosa, com a delicadeza e a docilidade consegue levar o marido a percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento em muitas mulheres que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias com o seu testemunho de vida cristã. Possa o Espírito do Senhor suscitar também nos dias de hoje a santidade dos cônjuges cristãos, para mostrar ao mundo a beleza do matrimónio vivido segundo os valores do Evangelho: o amor, a ternura, a ajuda recíproca, a fecundidade na geração e na educação dos filhos, a abertura e a solidariedade para com o mundo e a participação na vida da Igreja.

Quando Brígida ficou viúva, teve início o segundo período da sua vida. Renunciou a outras bodas para aprofundar a união com o Senhor através da oração, da penitência e das obras de caridade. Portanto, também as viúvas cristãs podem encontrar nesta Santa um modelo a seguir. Com efeito, após a morte do marido, Brígida distribuiu os seus próprios bens aos pobres e, mesmo sem jamais aceder à consagração religiosa, estabeleceu-se no mosteiro cisterciense de Alvastra. Ali tiveram início as revelações divinas, que a acompanharam durante o resto da sua vida. Elas foram ditadas por Brígida aos seus secretários-confessores, que as traduziram do sueco para o latim e as reuniram numa edição de oito livros, intitulados Revelationes (Revelações). A estes livros acrescenta-se um suplemento, que tem como título precisamente Revelationes extravagantes (Revelações suplementares).

As Revelações de Santa Brígida apresentam um conteúdo e um estilo muito diversificados. Às vezes a revelação apresenta-se sob a forma de diálogos entre as Pessoas divinas, a Virgem, os Santos e até os demónios; diálogos em que também Brígida intervém. Outras vezes, ao contrário, trata-se da narração de uma visão particular; e noutras ainda narra-se aquilo que a Virgem Maria lhe revela acerca da vida e dos mistérios do Filho. O valor das Revelações de Santa Brígida, por vezes objecto de algumas dúvidas, foi especificado pelo Venerável João Paulo II, na Carta Spes aedificandi: «A Igreja, ao reconhecer a santidade de Brígida, mesmo sem se pronunciar sobre cada uma das revelações, acolheu a autenticidade do conjunto da sua experiência interior» (n. 5).

Com efeito, lendo estas Revelações somos interpelados sobre muitos temas importantes. Por exemplo, volta-se a descrever frequentemente, com pormenores bastante realistas, a Paixão de Cristo, pela qual Brígida teve sempre uma devoção privilegiada, contemplando nela o amor infinito de Deus pelos homens. Nos lábios do Senhor que lhe fala, ela põe com audácia estas palavras comovedoras: «Ó, meus amigos, Eu amo tão ternamente as minhas ovelhas que, se fosse possível, gostaria de morrer muitas outras vezes, por cada uma delas, daquela mesma morte que padeci pela redenção de todas elas» (Revelationes, Livro I, C. 59). Também a dolorosa maternidade de Maria, que a tornou Mediadora e Mãe de misericórdia, é um argumento que aparece com frequência nas Revelações.

Ao receber estes carismas, Brígida estava consciente de ser destinatária de um dom de grande predilecção da parte do Senhor: «Minha filha — lemos no primeiro Livro das Revelações — Eu escolhi-te para mim; ama-me com todo o seu coração... mais do que tudo quanto existe no mundo» (c. 1). De resto, Brígida sabia bem, e disto estava firmemente convencida, que cada carisma está destinado a edificar a Igreja. Precisamente por este motivo, não poucas das suas revelações eram dirigidas, em forma de admoestações até severas, aos fiéis do seu tempo, também às Autoridades religiosas e políticas, a fim de que vivessem coerentemente a sua vida cristã; mas fazia isto sempre com uma atitude de respeito e de fidelidade integral ao Magistério da Igreja, de modo particular ao Sucessor do Apóstolo Pedro.

Em 1349, Brígida deixou para sempre a Suécia e veio em peregrinação a Roma. Não só tencionava participar no Jubileu de 1350, mas também desejava obter do Papa a aprovação da Regra de uma Ordem religiosa que ela queria fundar, intitulada ao Santo Salvador, e composta por monges e monjas sob a autoridade da abadessa. Trata-se de um elemento que não nos deve surpreender: na Idade Média existiam fundações monásticas com um ramo masculino e outro feminino, mas com a prática da mesma regra monástica, que previa a direcção de uma abadessa. Com efeito, na grande tradição cristã, à mulher são reconhecidos a própria dignidade e — sempre a exemplo de Maria, Rainha dos Apóstolos — o próprio lugar na Igreja que, sem coincidir com o sacerdócio ordenado, é igualmente importante para o crescimento espiritual da Comunidade. Além disso, a colaboração de consagrados e de consagradas, sempre no respeito pela sua vocação específica, tem uma grande importância no mundo contemporâneo.

Em Roma, acompanhada pela filha Karin, Brígida dedicou-se a uma vida de intenso apostolado e de oração. E de Roma partiu em peregrinação a vários santuários italianos, em particular a Assis, pátria de São Francisco, por quem Brígida nutriu sempre uma grande devoção. Finalmente, em 1371, coroou a sua maior aspiração: a viagem à Terra Santa, aonde foi em companhia dos seus filhos espirituais, um grupo ao qual Brígida chamava «os amigos de Deus».

Durante aqueles anos, os Pontífices encontravam-se em Avinhão, longe de Roma: Brígida dirigiu-se sentidamente a eles, a fim de que voltassem para a Sé de Pedro, na Cidade Eterna.

Faleceu em 1373, antes que o Papa Gregório XI tivesse voltado definitivamente para Roma. Foi sepultada provisoriamente na igreja romana de São Lourenço «in Panisperna», mas em 1374 os seus filhos Birger e Karin trasladaram-na para a pátria, no mosteiro de Vadstena, sede da Ordem religiosa fundada por Santa Brígida, que conheceu imediatamente uma expansão notável. Em 1391 o Papa Bonifácio ix canonizou-a solenemente.

A santidade de Brígida, caracterizada pela multiplicidade dos dons e das experiências que eu quis recordar neste breve perfil biográfico-espiritual, faz dela uma figura eminente na história da Europa. Proveniente da Escandinávia, Santa Brígida testemunha como o cristianismo permeou profundamente a vida de todos os povos deste Continente. Declarando-a co-Padroeira da Europa, o Papa João Paulo II fez votos por que Santa Brígida – que viveu no século XIV, quando a cristandade ocidental ainda não estava ferida pela divisão — possa interceder junto de Deus, para obter a graça tão almejada da plena unidade de todos os cristãos. Por esta mesma intenção, que é por nós muito desejada, e para que a Europa saiba alimentar-se sempre a partir das suas raízes cristãs, queremos rezar, caros irmãos e irmãs, invocando a poderosa intercessão de Santa Brígida da Suécia, discípula fiel de Deus e co-Padroeira da Europa. Obrigado pela atenção!

Fonte: www.vatican.va

Queridos irmãos e irmãs,

santaisabeldahungriaSanta Isabel da Hungria nasceu em mil duzentos e sete. Muito jovem ainda, foi dada em casamento a Luís IV da Turíngia, florescendo entre ambos um amor sincero, animado pela fé e pelo desejo de cumprir a vontade de Deus. Decidida a seguir Cristo pobre e crucificado, presente nos pobres, Isabel praticava assídua e pessoalmente as obras de misericórdia. Foram acusá-la ao marido de assim gastar os bens do condado; ele respondeu: «Desde que não me venda o castelo, não me importa!». Uma vez ela levava o avental cheio de pão para os pobres, quando se cruzou com o marido que lhe perguntou que levava. Isabel abriu o avental; mas, em vez de pão, apareceram magníficas rosas. É o conhecido milagre do pão transformado em rosas, que aparece muitas vezes reproduzido na imagem desta grande Santa da caridade.

Estimados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de vos falar sobre a Beata Ângela de Foligno, uma grande mística medieval que viveu no século XIII. Geralmente, ficamos fascinados diante dos ápices da experiência de união com Deus que ela conseguiu alcançar, mas talvez sejam considerados demasiado pouco os primeiros passos, a sua conversão e o longo caminho que a levou desde o ponto de partida, o «grande medo do inferno», até à meta, que é a união total com a Trindade. A primeira parte da vida de Ângela não é certamente a de uma fervorosa discípula do Senhor. Tendo nascido por volta de 1248 numa família abastada, ela permaneceu órfã de pai e foi educada pela mãe de modo bastante superficial. Muito cedo, foi introduzida nos ambientes mundanos da cidade de Foligno, onde conheceu um homem com o qual casou aos vinte anos e do qual teve alguns filhos. Levava uma vida despreocupada, a ponto de se permitir desprezar os chamados «penitentes» — muito difundidos naquela época — ou seja, aqueles que para seguir Cristo vendiam os próprios bens e viviam na oração, no jejum, no serviço à Igreja e na caridade.

Alguns acontecimentos, como o violento tremor de terra de 1279, um furacão, a prolongada guerra contra Perúsia e as suas duras consequências incidem na vida de Ângela, que progressivamente adquire consciência dos próprios pecados, até chegar a um passo decisivo: invoca São Francisco, que lhe aparece em visão, para lhe pedir conselho em vista de uma boa Confissão geral que devia realizar: estamos no ano de 1285; Ângela confessa-se a um frade em São Feliciano. Três anos mais tarde, o caminho da conversão conhece mais uma mudança: a dissolução dos vínculos afectivos porque, em poucos meses, à morte da mãe seguem-se a do marido e de todos os seus filhos. Então, vende os seus bens e, em 1291, adere à Terceira Ordem de São Francisco. Falece em Foligno no dia 4 de Janeiro de 1309.

BeataangelafolignoO livro da Beata Ângela de Foligno, em que está contida a documentação a propósito da nossa Beata, narra esta conversão; indica os meios necessários para isto: a penitência, a humildade e as tribulações; e descreve as suas passagens, a sucessão das experiências de Ângela, que começaram em 1285. Recordando-as, depois de as ter vivido, ela procurou narrá-las através do Frade confessor, que as transcreveu procurando sucessivamente dispô-las em etapas, às quais chamou «passos ou mudanças», mas sem conhecer ordená-las plenamente (cf. Il Libro della beata Angela da Foligno, Cinisello Balsamo 1990, pág. 51). Isto porque a experiência de união para a Beata Ângela é um envolvimento total dos sentidos espirituais e corporais, e daquilo que ela «compreende» durante as suas êxtases só permanece, por assim dizer, uma «sombra» na sua mente. «Ouvi verdadeiramente estas palavras — confessa ela depois de um arrebatamento místico — mas aquilo que eu vi e compreendi, e que Ele [ou seja, Deus] me mostrou, não sei nem posso dizê-lo de qualquer modo; não obstante, revelaria de bom grado aquilo que entendi com as palavras que ouvi, mas foi um abismo absolutamente inefável». Ângela de Foligno apresenta a sua «vivência» mística, sem a elaborar com a mente, uma vez que são iluminações divinas que se comunicam à sua alma de maneira repentina e inesperada. O próprio Frade confessor tem dificuldade em descrever tais acontecimentos, «também por causa da sua grande e admirável discrição em relação aos dons divinos» (Ibid., pág. 194). À dificuldade que Ângela tem de descrever a sua experiência mística, acrescenta-se inclusive a dificuldade para os seus ouvintes de a compreender. Uma situação que indica claramente como o único e verdadeiro Mestre, Jesus, vive no coração de cada crente e deseja tomar posse total do mesmo. Assim ocorreu em Ângela, que escrevia a um dos seus filhos espirituais: «Meu filho, se tu visses o meu coração, serias absolutamente obrigado a fazer tudo quanto Deus deseja, porque o meu coração é o de Deus, e o coração de Deus é o meu». Ressoam aqui as palavras de São Paulo: «Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20).

Então, consideremos aqui unicamente alguns «passos» do rico caminho espiritual da nossa Beata. O primeiro, na realidade, é uma premissa: «Foi o conhecimento do pecado — como ela mesma esclarece — a seguir ao qual a alma teve um grande medo de ser condenada; neste passo, chorou amargamente» (Il Libro della beata Angela da Foligno, pág. 39). Este «medo» do inferno corresponde ao tipo de fé que Ângela tinha no momento da sua «conversão»; uma fé ainda pobre de caridade, ou seja, do amor de Deus. Arrependimento, medo do inferno e penitência abrem a Ângela a perspectiva do doloroso «caminho da cruz» que, do oitavo ao décimo quinto passo, a levará depois pelo «caminho do amor». O Frade confessor narra: «Então, a fiel disse-me: tive esta revelação divina: “Depois daquilo que foi escrito, manda escrever que quem quiser conservar a graça, não deve afastar os olhos da alma da Cruz, tanto na alegria como na tristeza que lhe concedo ou permito”» (Ibid., pág. 143). Mas nesta fase, Ângela ainda «não sente o amor»; ela afirma: «A alma sente vergonha e amargura, e ainda não experimenta o amor, mas sim a dor» (Ibid., pág. 39), e sente-se insatisfeita.

Ângela sente que deve dar algo a Deus para reparar os seus pecados, mas lentamente compreende que nada tem para lhe oferecer, aliás, que «não é nada» diante dele; entende que não será a sua vontade que lhe dará o amor de Deus, porque ela só pode dar-lhe o seu «nada», o «desamor». Como ela mesma dirá: apenas «o amor verdadeiro e puro, que vem de Deus, está na alma e faz com que ela reconheça os próprios defeitos e a bondade divina [...] Tal amor leva a alma a Cristo e ela compreende com segurança que não se pode verificar nem haver qualquer engano. A tal amor não se pode misturar algo deste mundo» (Ibid., págs. 124-125). Abrir-se única e totalmente ao amor de Deus, que tem a máxima expressão em Cristo: «Ó meu Deus — reza ela — tornai-me digna de conhecer o mistério excelso, que o vosso amor ardentíssimo e inefável realizou, juntamente com o amor pela Trindade, ou seja, o mistério altíssimo da vossa santíssima encarnação por nós [...] Ó amor incompreensível! Acima deste amor, que fez com que o meu Deus se tenha feito homem para me fazer Deus, não existe amor maior» (Ibid., pág. 295). Todavia, o coração de Ângela traz sempre as feridas do pecado; mesmo depois de uma Confissão bem feita, ela sentia-se perdoada mas ainda angustiada pelo pecado, livre mas condicionada pelo passado, absolvida mas carente de penitência. E inclusive o pensamento do inferno a acompanha, pois quanto mais a alma progredir pelo caminho da perfeição cristã, tanto mais ela se há-de convencer não só que é «indigna», mas que é merecedora do inferno.

E eis que, ao longo do seu caminho místico, Ângela compreende de modo profundo a realidade central: aquilo que a salvará da sua «indignidade» e do «merecimento do inferno» não será a sua «união com Deus», nem a sua posse da «verdade», mas sim Jesus crucificado, «a sua crucifixão por mim», o seu amor. No oitavo passo ela diz: «Contudo, eu ainda não entendia se era um bem maior a minha libertação dos pecados e do inferno, e a conversão à penitência, ou então a sua crucifixão por mim» (Ibid., pág. 41). Trata-se do equilíbrio instável entre amor e dor, que ela sentia em todo o seu difícil caminho rumo à perfeição. Precisamente por isso, contempla de preferência Cristo crucificado, porque em tal visão ela vê realizado o equilíbrio perfeito: na cruz está o homem-Deus, num supremo gesto de sofrimento que é um acto supremo de amor. Na terceira Instrução, a Beata insiste sobre esta contemplação, afirmando: «Quanto mais perfeita e puramente virmos, tanto mais perfeita a puramente amaremos [...] Por isso, quanto mais virmos Deus e o homem Jesus Cristo, tanto mais seremos transformados nele através do amor [...] Aquilo que eu disse do amor [...] digo-o também da dor: quanto mais a alma contempla a dor inefável de Deus e do homem Jesus Cristo, tanto mais sofre e é transformada em dor» (Ibid., págs. 190-191). Identificar-se, transformar-se no amor e nos sofrimentos de Cristo crucificado, identificar-se com Ele. A conversão de Ângela, que teve início com aquela Confissão de 1285, só alcançará o amadurecimento quando o perdão de Deus aparecer na sua alma como a dádiva gratuita de amor do Pai, nascente de amor: «Ninguém pode desculpar-se — afirma ela — porque todos podem amar a Deus, e Ele só pede à alma que o ame, uma vez que Ele a ama e é o seu amor» (Ibid., pág. 76).

No itinerário espiritual de Ângela, a passagem da conversão para a experiência mística, daquilo que se pode expressar para o que é inefável, tem lugar através do Crucificado. É o «Deus-homem apaixonado» que se torna o seu «mestre de perfeição». Toda a sua experiência mística consiste, portanto, em tender para uma «semelhança» perfeita com Ele, mediante purificações e transformações cada vez mais profundas e radicais. A este maravilhoso empreendimento, Ângela dedica-se inteirtamente, de alma e corpo, sem se poupar a penitências e tribulações, desde o início até ao fim, desejando morrer com todos os sofrimentos padecidos pelo Deus-homem crucificado, para ser transformada totalmente nele: «Ó filhos de Deus — ela recomendava — transformai-vos totalmente no Deus-homem apaixonado, que vos amou a ponto de se dignar morrer por vós com uma morte extremamente ignominiosa, total e inefavelmente dolorosa, de modo penosíssimo e amarguíssimo. E isto somente por amor a ti, ó homem!» (Ibid., pág. 247). Esta identificação significa também viver aquilo que Jesus viveu: pobreza, desprezo e dor, porque — como ela afirma — «através da pobreza temporal, a alma encontrará riquezas eternas; mediante o desprezo e a vergonha, ela alcançará a suma honra e uma glória excelsa; através de um pouco de penitência, feita com esforço e dor, possuirá com infinita docilidade e consolação o sumo Bem, Deus eterno» (Ibid., pág. 293).

Da conversão à união mística com Cristo crucificado, ao inefável. Um caminho elevadíssimo, cujo segredo é a oração constante: «Quanto mais rezares — afirma ela — tanto mais serás iluminado; quanto mais fores iluminado, tanto mais profunda e intensamente verás o sumo Bem, o Ser sumamente bom; quanto mais profunda e intensamente O vires, tanto mais O amarás; quanto mais O amares, tanto mais serás feliz; e quanto mais fores feliz, tanto mais compreenderás e serás capaz de o compreender. Em seguida, chegarás à plenitude da luz, porque entenderás que não podes compreender» (Ibid., pág. 184).

Estimados irmãos e irmãs, a vida da Beata Ângela começa com uma existência mundana, bastante distante de Deus. Mas depois, o encontro com a figura de São Francisco e, finalmente, o encontro com Cristo crucificado, desperta a alma para a presença de Deus, para o facto de que somente com Deus a existência se torna verdadeiramente vida porque se torna, na dor pelo pecado, amor e alegria. E assim nos fala a Beata Ângela. Hoje todos nós corremos o perigo de viver como se Deus não existisse: Ele parece tão distante da vida contemporânea. Mas Deus tem mil modos, para cada um o seu, de se fazer presente na alma, de mostrar que existe, que me conhece e me ama. E a Beata Ângela quer chamar a nossa atenção para estes sinais, com os quais o Senhor sensibiliza a nossa alma, atentos à presença de Deus, para aprendermos assim o caminho com Deus e rumo a Deus, na comunhão com Cristo crucificado. Oremos ao Senhor para que nos torne atentos aos sinais da sua presença, que nos ensine a viver realmente. Obrigado!

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