O Especial Semana da Vida aborda hoje a dignidade dos embriões humanos. Qual o ensinamento da Igreja? Para responder a essa pergunta, publicamos um trecho da Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.
I. O respeito aos embriões humanos
Uma reflexão atenta sobre este ensinamento do Magistério e sobre os dados da razão acima relembrados permite responder aos múltiplos problemas morais suscitados pelas intervenções técnicas no ser humano nas fases iniciais da sua vida e nos processos da sua concepção.
1. QUE RESPEITO É DEVIDO AO EMBRIÃO HUMANO, TENDO EM CONTA A SUA NATUREZA E A SUA IDENTIDADE?
O ser humano deve ser respeitado como pessoa, desde o primeiro instante da sua existência.
A atuação de procedimentos de fecundação artificial tornou possível diversas intervenções nos embriões e nos fetos humanos. As finalidades que se buscam são de vários tipos: diagnosticas e terapêuticas, científicas e comerciais. Daí surgem graves problemas. Pode-se falar de um direito à experimentação em embriões humanos com fins de pesquisa científica? Que normas ou que legislação elaborar nesta matéria? A resposta a tais problemas supõe uma reflexão aprofundada sobre a natureza e a identidade próprias — fala-se de « estatuto » — do embrião humano.
Por sua parte, no Concílio Vaticano II a Igreja propôs novamente ao homem contemporâneo a sua doutrina constante e certa segundo a qual « a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O aborto como o infanticídio são crimes nefandos » Mais recentemente a Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, reafirmava: « A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção ».
Esta Congregação tem conhecimento das discussões atuais acerca do início da vida humana, da individualidade do ser humano e da identidade da pessoa humana. Ela relembra os ensinamentos contidos na Declaração sobre o aborto provocado: « A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é aquela do pai ou da mãe e sim de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca tornar-se-á humano se já não o é desde então. A esta evidência de sempre ... a ciência genética moderna fornece preciosas confirmações. Esta demonstrou que desde o primeiro instante encontra-se fixado o programa daquilo que será este vivente: um homem, este homem-indivíduo com as suas notas características já bem determinadas. Desde a fecundação tem início a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades exigem, cada uma, tempo para organizar-se e para encontrar-se prontas a agir » Esta doutrina permanece válida e, além disso, é confirmada — se isso fosse necessário — pelas recentes aquisições da biologia humana, que reconhece que no zigoto derivante da fecundação já está constituída a identidade biológica de um novo indivíduo humano.
É certo que nenhum dado experimental, por si só, pode ser suficiente para fazer reconhecer uma alma espiritual; todavia, as conclusões da ciência acerca do embrião humano fornecem uma indicação valiosa para discernir racionalmente uma presença pessoal desde esta primeira aparição de uma vida humana: como um indivíduo humano não seria pessoa humana? O Magistério não se empenhou expressamente em uma afirmação de índole filosófica, mas reafirma de maneira constante a condenação moral de qualquer aborto provocado. Este ensinamento não mudou e é imutável.
O fruto da geração humana, portanto, desde o primeiro momento da sua existência, isto é, a partir da constituição do zigoto, exige o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua totalidade corporal e espiritual. O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde aquele mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais, antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida.
Este conteúdo doutrinal oferece o critério fundamental para a solução dos diversos problemas suscitados pelo progresso das ciências biomédicas neste campo: uma vez que deve ser tratado como pessoa, o embrião também deverá ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano, no âmbito da assistência médica.
2. O DIAGNÓSTICO PRE-NATAL É MORALMENTE LÍCITO?
Se o diagnóstico pre-natal respeitar a vida e a integridade do embrião e do feto humano e se orientar para a sua salvaguarda ou para a sua cura individual, a resposta é afirmativa.
Com efeito, o diagnóstico pre-natal pode dar a conhecer as condições do embrião e do feto quando ainda se encontram no seio da mãe; possibilita algumas intervenções terapêuticas, médicas ou cirúrgicas com maior antecedência e mais eficazmente, ou permite a sua previsão.
Tal diagnóstico é lícito se os métodos empregados, com o consentimento dos pais devidamente informados, salvaguardarem a vida e a integridade do embrião e de sua mãe, sem fazê-los correr riscos desproporcionados.Mas ele está gravemente em contraste com a lei moral quando contempla a eventualidade, dependendo dos resultados, de provocar um aborto: um diagnóstico que ateste a existência de uma deformação ou de uma doença hereditária não deve equivaler a uma sentença de morte. Por conseguinte, a mulher que solicitasse o diagnóstico com a determinada intenção de realizar o aborto caso o seu resultado confirmasse a existência de uma deformação ou anomalia, cometeria uma ação gravemente ilícita. Agiriam igualmente de modo contrário à moral o cônjuge, os parentes ou qualquer outra pessoa, que aconselhassem ou impusessem o diagnóstico à gestante, com a mesma intenção de, eventualmente, chegar ao aborto. Seria também responsável por colaboração ilícita o especialista que, ao efetuar o diagnóstico e ao comunicar o seu resultado, contribuísse voluntariamente para estabelecer ou favorecer o nexo entre diagnóstico pré-natal e aborto.
Por fim, deve-se condenar como violação do direito à vida com relação ao nascituro e como prevaricação contra os direitos e deveres prioritários dos cônjuges, uma diretriz ou programa das autoridades civis e sanitárias ou de organizações científicas que, em qualquer modo, favorecesse a conexão entre diagnóstico pre-natal e aborto ou ainda induzisse as gestantes a se submeterem ao diagnóstico pré-natal planejado com a finalidade de eliminar os fetos atingidos por deformações ou doenças hereditárias ou delas portadores.
3. AS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS NO EMBRIÃO HUMANO SÃO LÍCITAS ?
Como para qualquer intervenção médica nos pacientes, devem ser consideradas lícitas as intervenções no embrião humano sob a condição de que respeitem a vida e a integridade do embrião, não comportem para ele riscos desproporcionados e sejam orientadas para a sua cura, para a melhoria das suas condições de saúde ou para a sua sobrevivência individual.
Qualquer que seja o tipo de terapia médica, cirúrgica ou de outro gênero, requer-se o consentimento livre e informado dos pais, segundo as regras deontológicas previstas para o caso das crianças. A aplicação deste princípio moral pode exigir cautelas delicadas e particulares, tratando-se de vida embrionária ou de fetos.
A legitimidade e os critérios de tais intervenções foram claramente expressos por João Paulo II: « Uma intervenção estritamente terapêutica que se proponha como objetivo a cura de diversas doenças, como as que se devem a defeitos cromossômicos, como regra geral deve ser considerada desejável, suposto que tenda a realizar a verdadeira promoção do bem-estar pessoal do indivíduo, sem prejudicar a sua integridade ou deteriorar as suas condições de vida. Uma tal intervenção, de fato, insere-se na lógica da tradição moral cristã ».
4. COMO JULGAR MORALMENTE A PESQUISA E A EXPERIMENTAÇÃO COM EMBRIÕES E FETOS HUMANOS?
A pesquisa médica deve abster-se de intervenções em embriões vivos, a menos que haja a certeza moral de não causar dano nem à vida nem à integridade do nascituro e da mãe e contanto que os pais tenham consentido na intervenção, de modo livre e informado. Disso segue-se que qualquer pesquisa, ainda que limitada à mera observação do embrião, tornar-se-ia ilícita sempre que, por causa dos métodos empregados ou pelos efeitos produzidos, implicasse um risco para a integridade física ou para a vida do embrião.
No que diz respeito à experimentação, pressuposta a distinção geral entre a que tem finalidade não diretamente terapêutica e aquela claramente terapêutica para o sujeito mesmo, no caso concreto deve-se distinguir também entre a experimentação exercida em embriões ainda vivos e a que é levada a cabo com embriões mortos. Se estão vivos, viáveis ou não, eles devem ser respeitados como todas as pessoas humanas; a experimentação não diretamente terapêutica com embriões é ilícita.
Nenhuma finalidade, ainda que nobre em si mesma, como a previsão de utilidade para a ciência, para outros seres humanos ou para a sociedade, pode, de modo algum, justificar a experimentação em embriões ou fetos humanos vivos, viáveis ou não, no seio materno ou fora dele. O consentimento informado, normalmente exigido para a experimentação clínica com o adulto, não pode ser concedido pelos pais, que não podem dispor nem da integridade física nem da vida do nascituro. Por outro lado, a experimentação em embriões e fetos comporta sempre o risco e até mesmo, na maioria das vezes, a previsão certa de um dano à sua integridade física, quando não da sua morte.
Usar o embrião humano ou o feto como objeto ou instrumento de experimentação representa um delito contra a sua dignidade de ser humano que tem direito ao mesmo respeito devido à criança já nascida e a toda pessoa humana. A Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, afirma: « O respeito pela dignidade do ser humano exclui qualquer forma de manipulação experimental ou exploração do embrião humano ». A prática de se manter em vida embriões humanos, in vivo ou in vitro, para fins experimentais ou comerciais, é absolutamente contrária à dignidade humana.
No caso da experimentação claramente terapêutica, isto é, desde que se trate de terapias experimentais, empregadas em benefício do próprio embrião, com o fim de salvar-lhe a vida em uma tentativa extrema e na falta de outras terapias válidas, pode ser lícito o recurso a remédios ou procedimentos ainda não plenamente convalidados.
Os cadáveres de embriões ou fetos humanos, voluntariamente abortados ou não, devem ser respeitados como os restos mortais dos outros seres humanos. De modo particular, não podem ser objeto de multilação ou autópsia se a sua morte não for assegurada e sem o consentimento dos pais ou da mãe. Além disso, deve-se sempre salvaguardar a exigência moral de que não tenha havido nenhuma cumplicidade com o aborto voluntário e que seja evitado o perigo de escândalo. Também no caso de fetos mortos, como no que diz respeito aos cadáveres de pessoas adultas, qualquer prática comercial deve ser considerada ilícita e deve ser proibida.
5. COMO JULGAR MORALMENTE O USO PARA FINS DE PESQUISA DOS EMBRIÕES OBTIDOS MEDIANTE A FECUNDAÇÃO «IN VITRO»?
Os embriões humanos obtidos in vitro são seres humanos e sujeitos de direito: a sua dignidade e o seu direito à vida devem ser respeitados desde o primeiro momento da sua existência. É imoral produzir embriões humanos destinados a serem usados como « material biológico » disponível.
Na prática habitual da fecudação in vitro, nem todos os embriões são transferidos para o corpo da mulher; alguns são destruídos. Assim como condena o aborto provocado, a Igreja proibe também o atentado contra a vida destes seres humanos. É necessário denunciar a particular gravidade da destruição voluntária dos embriões humanos obtidos in vitro, unicamente para fins de pesquisa, seja mediante fecundação artificial como por « fissão gemelar ». Agindo de tal forma, o pesquisador toma o lugar de Deus e, mesmo se não é consciente disso, faz-se senhor do destino de outrem, uma vez que escolhe arbitrariamente quem fazer viver e quem mandar à morte, suprimindo seres humanos indefesos.
Os métodos de observação e de experimentação que causam dano ou impõem riscos graves e desproporcionados aos embriões obtidos in vitro são moralmente ilícitos pelos mesmos motivos. Cada ser humano deve ser respeitado em si mesmo e não pode ser reduzido a mero e simples valor instrumental em proveito de outrem. Por isso não é conforme à moral expor deliberadamente à morte embriões humanos obtidos in vitro. Pelo fato de serem produzidos in vitro, estes embriões não transferidos para o corpo da mãe e denominados « excedentes », permanecem expostos a uma sorte absurda, sem possibilidade de que lhes sejam oferecidas vias seguras de sobrevivência a serem buscadas licitamente.
6. QUE JULGAMENTO DEVE SER FEITO ACERCA DOS OUTROS PROCEDIMENTOS DE MANIPULAÇÃO DE EMBRIÕES, LIGADOS ÀS « TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA »?
As técnicas de fecundação in vitro podem abrir possibilidade a outras formas de manipulação biológica ou genética dos embriões humanos, tais como as tentativas ou projetos de fecundação entre gametas humanos e animais e de gestação de embriões humanos em úteros de animais bem como a hipótese ou projeto de construção de úteros artificiais para o embrião humano. Estes procedimentos são contrários à dignidade de ser humano própria do embrião e, ao mesmo tempo, lesam o direito de cada pessoa a ser concebida e a nascer no matrimônio e pelo matrimônio. Também as tentativas ou hipóteses destinadas a obter um ser humano sem conexão alguma com a sexualidade, mediante « fissão gemelar », clonagem ou parto gênese, devem ser consideradas contrárias à moral por se oporem à dignidade tanto da procriação humana como da união conjugal.
O próprio congelamento dos embriões, mesmo se executado para assegurar uma conservação em vida do embrião — crioconservação — constitui uma ofensa ao respeito devido aos seres humanos, uma vez que os expõe a graves riscos de morte ou de dano à sua integridade física, priva-os ao menos temporariamente da acolhida e da gestação maternas, pondo-os em uma situação suscetível de ulteriores ofensas e manipulações.
Algumas tentativas de intervenção no patrimônio cromossômico ou genético não são terapêuticas, mas visam produzir seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Estas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade. De forma alguma, pois, podem ser justificadas em vista de eventuais consequências benéficas para a humanidade futura. Cada pessoa deve ser respeitada por si mesma: nisso consiste a dignidade e o direito de todo ser humano, desde o seu princípio.
Fonte: Site do Vaticano
**Você sabe o que é o Estatuto do Nascituro? Saiba amanhã no Especial Semana da Vida.
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