Quando o sofrimento do aborto se torna avassalador demais, inclusive para o médico.
O Dr. Anthony Levatino foi um dos milhares de manifestantes que participaram da Marcha pela Vida, realizada este mês na capital norte-americana. A marcha é um evento anual que os defensores do direito à vida organizam na mesma data em que os Estados Unidos aprovaram a sua lei do aborto, há mais de quarenta anos. É um protesto e um convite à reflexão sobre a vida dos ainda não nascidos.
Quando olhava para trás, em meio à multidão e sob a luz brilhante do sol, o doutor Levatino sentia a solidariedade ao seu redor. "Eles não julgavam ninguém", comenta ele, cuja vida sofreu uma guinada de 180 graus: ele já foi médico abortista; hoje, é ginecologista pró-vida.
Fonte: aleteia.org
Levatino se diz em paz com a transformação que viveu. De pé sobre um palanque improvisado após a Marcha pela Vida, ele se sentia à vontade com os seus colegas pró-vida, especialmente com aqueles que, antigamente, também defendiam o “direito de escolha”, metáfora politicamente correta usada nos Estados Unidos para expressar o suposto direito feminino de eliminar um ser humano em sua fase inicial de desenvolvimento.
Uma mulher se apresentou à multidão e falou do "tormento aprisionador" que viveu depois de submeter-se a três abortos. Levatino, solidário, lhe disse: "Bom testemunho, Tammy". Outra mulher, que também tinha abortado, contou a sua história comovente e encerrou o depoimento puxando um pai-nosso. Levatino fechou os olhos e rezou junto com toda a multidão. E toda vez que os outros oradores se dirigiam ao público, o médico estendia um cartaz em que declarava: "Eu me arrependo de ter realizado abortos".
Levatino já tinha participado da Marcha pela Vida em edições anteriores, mas ainda não tinha subido ao palanque para falar à multidão. "Esta experiência é bem diferente para mim. É uma experiência de cura pessoal", declarou ele, minutos depois de descer do palanque. Lá em cima, ele tinha se lembrado de seu passado e, talvez, tenha pensado em seu futuro. Trinta ou quarenta metros à frente dele havia manifestantes segurando um grande cartaz com a imagem do falecido médico Bernard Nathanson.
Do final da década de 1960 até o final dos anos 1970, o Dr. Nathanson realizou ou supervisionou mais de 75.000 abortos. Ele próprio relatou que a sua mente e o seu coração mudaram depois de ver, via fetoscopia e ultrassom, as imagens de uma criança ainda não nascida. No final dos anos 70, Bernard Nathanson escreveu o best-seller “Aborting America”, sobre a sua tardia transformação de mente e coração. No começo dos anos 80, ele narrou o documentário "The Silent Scream" [“O grito silencioso”], um filme anti-aborto de 28 minutos, controverso e seminal, lançado em 1985.
Embora menos dramática, a história de Levatino é semelhante à de Bernard Nathanson. Levatino calcula que, entre 1981 e 1985, fez cerca de 1.200 abortos. Mas a sua atitude perante a vida foi mudando. Ele e a esposa não conseguiram gerar nenhum filho biológico. Além disso, a sua filha adotiva, Heather, morreu num acidente de carro em 1985. Hoje trabalhando como ginecologista no Estado do Novo México, Levatino é um ativo membro do movimento de defesa da vida. Ele participou de um filme pró-vida lançado em 2011, “The Gift of Life” [“O dom da vida”], e faz parte do conselho médico de assessores dos Priests for Life [Sacerdotes pela Vida], cujos líderes o convidaram a falar das suas campanhas “Silent No More” [“Não ficaremos mais em silêncio”] e “Shockwaves” [“Inquietações”], na Marcha pela Vida deste ano.
Nathanson e Levatino não são os únicos médicos que pararam de fazer abortos. Em 2008, os assim chamados “provedores de aborto” nos Estados Unidos já eram cerca de 40% a menos que em 1982, ano em que o número de médicos que realizavam tal procedimento tinha chegado ao pico. Os dados são do Instituto Guttmacher, organização de pesquisa que apoia o aborto (recordando que, no Estado da Califórnia, enfermeiros também podem realizar abortos).
Alguns progressistas e defensores do direito ao aborto atribuem a “culpa” por este declínio ao “assédio” dos ativistas pró-vida. Mas, inclusive para alguns profissionais que já foram “provedores de aborto”, a razão para parar foi a brutalidade e a destrutividade do próprio aborto, em especial depois das primeiras 11 semanas de gravidez.
Em 2012, Levatino testemunhou perante o Congresso dos Estados Unidos que o aborto de uma criança de 24 semanas de gestação é doloroso não só para a criança, mas também para o médico. "Se vocês acham que não machuca; se vocês acreditam que não é uma agonia para essa criança, por favor, pensem de novo", declarou Levatino ao se manifestar a favor do projeto de lei de “proteção das crianças ainda não-nascidas já capazes de sentir dor”.
Blogueiros apoiadores do direito ao aborto se enfureceram com o discurso de Levatino. “Isso é extremamente ofensivo para quem já fez um aborto, especialmente quando a gravidez já estava mais avançada”, escreveu Alesa Mackool para o site RH Reality Check, que promove os chamados “direitos reprodutivos”. Ela complementou: “Os ativistas anti-direito de escolha, como Levatino, fazem mais sucesso quando tentam nos encolher do que quando pensam racionalmente”.
No entanto, alguns líderes do movimento em defesa do direito ao aborto já fizeram comentários semelhantes aos de Levatino.
Em artigo de 2008 na “Washington Post Magazine”, uma ex-diretora médica da rede de clínicas de aborto Planned Parenthood lançou um alerta aos estudantes de medicina da Universidade Johns Hopkins: eles deveriam se preparar para momentos emocional e moralmente difíceis quando se tornassem “provedores de aborto”. Beth Meyers perguntava: "Qual é o seu limite de tolerância a defeitos de nascença? Você faria um aborto na 28ª semana se o bebê tivesse pés tortos? E hemofilia? (...) Como você vai se sentir se uma paciente admitir que já fez piquete diante da clínica? E quanto à mulher que vai para o terceiro aborto e não quer ouvir falar de controle da natalidade? Como você vai se sentir diante disso?".
Meyers chamou a atenção dos alunos para o fato de que certas circunstâncias do aborto, como defeitos congênitos, podem representar um dilema moral, mas outros profissionais do aborto enfatizam que realizar o procedimento após o primeiro trimestre da gestação é difícil. Num artigo de 2008 na “Reproductive Health Matters”, a professora Lisa H. Harris, do departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Estudos Femininos da Universidade de Michigan, relatou que ela própria estava em sua 18ª semana de gravidez quando “interrompeu a gestação” de uma paciente que também estava na 18ª semana:
“No primeiro movimento do fórceps, eu agarrei uma extremidade e comecei a puxá-la para baixo. Pude ver um pequeno pé pendurado nos dentes do meu fórceps. Com um puxão rápido, eu separei a perna. Justamente naquele instante, eu senti um pontapé no meu próprio útero. Foi uma das primeiras vezes em que eu senti o movimento fetal. Havia uma perna e um pé de bebê nas minhas pinças, enquanto o meu bebê chutava lá dentro do meu abdômen. No mesmo instante, as lágrimas correram dos meus olhos, sem eu querer: o meu cérebro não estava consciente do que estava me acontecendo, embora estivesse plenamente ciente do procedimento que estava sendo realizado. Foi como se a minha reação viesse toda do meu corpo, ignorando completamente o meu processamento cognitivo habitual. A mensagem parecia ter passado diretamente das minhas mãos e do meu útero para os meus canais lacrimais. Foi uma sensação avassaladora, uma resposta brutalmente visceral, vinda toda do coração, sem ser mediada pelo meu treinamento nem pela minha política feminista pró-direito de escolha. Foi um dos momentos mais crus da minha vida. Fazer abortos no segundo trimestre não ficou mais fácil nem sequer depois da minha gravidez. Pelo contrário, tocar nas pequenas partes do corpo do meu bebê recém-nascido só tornava mais triste o fato de lidar com aquelas pequenas partes fetais desmembradas”.
Harris não declarou se parou de fazer abortos, mas Lesley Wojick, a estudante de medicina retratada na “Washington Post Magazine”, mudou de ideia e decidiu que não “interromperia” nenhuma gravidez.
Para alguns ativistas pró-vida, é de grande ajuda o fato de que médicos que já fizeram abortos contem as suas histórias e o porquê de terem decidido parar. O padre Frank Pavone, líder da organização Priests for Life [Sacerdotes pela Vida], anunciou durante a exposição e conferência preparatória da Marcha pela Vida que Levatino daria o seu depoimento na edição deste ano. Quando Levatino falou, no dia da marcha, o padre estava lá, na primeira fila.
Após descer do palanque, no entanto, Levatino não ecoou os pontos de discussão de Pavone. Ele disse que conversou com uma policial negra durante a marcha, depois que ela lhe perguntou por que as pessoas estavam se manifestando. “Eu respondi a ela: ‘Você sabia que algumas pessoas são tratadas como propriedade, do jeito que os negros foram tratados no tempo da escravidão?’. Ela não tinha ideia disso. ‘Você sabe que pode fazer um aborto no momento em que bem quiser?’. Ela não tinha ideia. As pessoas não percebem isso como um direito”.
Quarta, 28 Janeiro 2015 03:15
De médico abortista a líder pró-vida
Entre para postar comentários