Segunda, 11 Abril 2011 20:28

Testemunho: não é bom “morar junto”

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Cara Dra. ___,

Sinta-se à vontade para compartilhar minha história com outros casais que estejam vivendo juntos, de modo que possam também ver como pode ajudar seu amor a crescer, se passarem a morar separados. Por favor, nunca pare com o trabalho na “Sex Respect”!

Meus próprios pais se divorciaram há 15 anos, por isso eu estava determinada a não me entregar de cara em um casamento. Foi por isso que eu me mudei para uma casa para morar com o Jim, para que pudéssemos desenvolver nosso relacionamento, e conhecer melhor um ao outro primeiro... assim eu pensava.

A coisa foi de maravilhosa a terrível em apenas quatro meses. Eu estava me anulando para fazê-lo feliz. Eu me sentia insegura sempre que havia o menor problema no relacionamento. E eu estava usando o sexo de uma maneira que era falsa para mim. A relação sexual era minha maneira de afirmar, para mim mesma, que “o relacionamento ainda está firme”. Era o meu modo de dizer: “fique comigo, eu sou boa para você!” (mesmo quando o sexo não era assim tão bom), e de tentar me convencer de que “ele ainda me ama”.

As perguntas importantes nunca foram respondidas, coisas como: “E se aparecesse um bom emprego em outro estado?”, ou: “E se ele decidir voltar a estudar?”, ou: “A pílula está me deixando depressiva – eu devo parar de tomar?”. Nós dois sempre acabávamos voltando para a cama de novo, sem resolver as coisas. Eu cheguei ao ponto de ter vontade de gritar: “Pare com o sexo, eu só quero que você converse comigo!”.

Depois de ouvir suas palestras sobre castidade, eu pensei que a castidade poderia ser melhor do que a insegurança, baixa-estima e vazio que eu estava sentindo por conta desse relacionamento. Então eu falei para o Jim que gostaria de sair, me mudar, e repensar as coisas. Eu queria que ele realmente me enxergasse, e me ouvisse como pessoa, algo que o nosso envolvimento sexual tinha dificultado muito a ele. Eu queria amizade e perspectivas.

Devo dizer que depois do “choque inicial”, Jim aceitou o desafio. Nós passamos um ano inteiro nos conhecendo melhor, de todos os modos possíveis (menos na cama). Devemos ter gasto mais de mil horas só conversando! E eu sabia que não estava entrando em alguma coisa só por querer ser como todo mundo, por necessidade ou carência afetiva: eu estava exercitando a verdadeira inteligência sexual. Isso me deu um novo respeito para comigo mesma, e para com Jim.

Nós vamos nos casar. Levou um tempo, mas agora sabemos que nosso amor é real, e estamos comprometidos um com o outro para a vida toda.

Fonte: http://vidaecastidade.blogspot.com/

VISITA ÀS CRIANÇAS INTERNADAS NA SEÇÃO DE PEDIATRIA
DA POLICLÍNICA GEMELLI DE ROMA

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Quarta-feira 5 de Janeiro de 2011

 

Senhor Cardeal
queridos Sacerdotes
Autoridades académicas
dirigentes, pessoal médico
e paramédico
queridas crianças, pais, amigos!

Por que vim aqui hoje, no meio de vós, no dia em que começamos a celebrar a Solenidade da Epifania? Antes de tudo, para dizer obrigado. Obrigado a vós, crianças, que me recebeis: gostaria de dizer que vos amo e estou próximo de vós com a minha oração e o meu afecto, para vos dar a força de enfrentar a doença. Gostaria também de agradecer aos vossos pais, aos parentes, aos Dirigentes e a todos os funcionários da Policlínica, que com competência e caridade cuidam do sofrimento humano; em particular, gostaria de agradecer à equipa desta secção de Pediatria e do Centro de tratamento das crianças com espinha bífida. Abençoo as pessoas, o empenho e estes ambientes, onde se exerce de modo concreto o amor para com os pequeninos e os mais carentes.

Queridas crianças e jovens, quis encontrar-me convosco também para fazer como os Magos, como vós fizestes: os Magos levaram alguns dons a Jesus — ouro, incenso e mirra — para lhe manifestar adoração e afecto. Hoje também eu vos trago um dom, exactamente para que sintais, através de um pequeno sinal, a simpatia, a proximidade e o afecto do Papa. Mas gostaria que todos, adultos e crianças, neste tempo de Natal, recordássemos que o maior dom foi Deus quem ofereceu a cada um de nós.

Olhemos a gruta de Belém, quem vemos no presépio? Quem encontramos? Maria e José, mas sobretudo um menino pequeno, carente de atenção, de cuidados e de amor: aquele menino é Jesus, é o próprio Deus que quis vir sobre a terra para nos mostrar quanto nos quer bem, é Deus que se fez menino como vós, para vos dizer que está sempre ao vosso lado e para dizer a cada um de nós que cada criança tem o seu rosto.

Antes de concluir, não posso deixar de dirigir uma saudação cordial a todos os funcionários e aos que estão internados neste grande Hospital. Encorajo as diversas iniciativas de bem e de voluntariado, assim como as instituições que qualificam o empenho ao serviço da vida; nesta circunstância penso em particular no Instituto Científico Internacional «Paulo vi», que tem como finalidade promover a procriação responsável.

Obrigado de novo a todos! O Papa ama-vos!

Quarta, 23 Março 2011 19:15

Papa Bento XVI - celebração das cinzas

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Quarta-feira de Cinzas

Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, marcados pelo austero símbolo das Cinzas, entramos no Tempo da Quaresma, iniciando um itinerário espiritual que nos prepara para celebrar dignamente os mistérios pascais. As cinzas benzidas, impostas sobre a nossa cabeça, são um sinal que nos recorda a nossa condição de criaturas, que nos convida à penitência e a intensificar o compromisso de conversão para seguir cada vez mais o Senhor.

A Quaresma é um caminho, é acompanhar Jesus que sobe a Jerusalém, lugar do cumprimento do seu mistério de paixão, morte e ressurreição; recorda-nos que a vida cristã é um «caminho» a percorrer, e que consiste não tanto numa lei a observar, quanto na própria pessoa de Cristo a encontrar, receber e seguir. Com efeito, Jesus diz-nos: «Se alguém quiser vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me» (Lc 9, 23). Ou seja, diz-nos que para chegar com Ele à luz e à alegria da ressurreição, à vitória da vida, do amor e do bem, também nós temos que tomar a cruz todos os dias, como nos exorta uma bonita página da Imitação de Cristo: «Portanto, toma a tua cruz e segue Jesus; assim entrarás na vida eterna. Foste precedido por Ele mesmo, que carregou a sua cruz (cf. Jo 19, 17) e morreu por ti, a fim de que também tu carregasses a tua cruz e desejasses, também tu, ser crucificado. Com efeito, se morreres com Ele, viverás com Ele e como Ele. Se lhe fores companheiro no sofrimento, ser-lhe-ás companheiro inclusive na glória» (l. 2, c. 12, n. 2). Na Santa Missa do primeiro Domingo de Quaresma, oramos: «Ó Deus, nosso Pai, com a celebração desta Quaresma, sinal sacramental da nossa conversão, concedei que os vossos fiéis cresçam no conhecimento do mistério de Cristo e testemunhem com uma digna conduta de vida» (Colecta). É uma invocação que dirigimos a Deus, porque sabemos que só Ele pode converter o nosso coração. E é sobretudo na Liturgia, na participação nos santos mistérios, que nós somos levados a percorrer este caminho com o Senhor; é um pôr-nos na escola de Jesus, repercorrendo os acontecimentos que nos trouxeram a salvação, mas não como uma simples comemoração, uma lembrança de acontecimentos passados. Nos gestos litúrgicos, Cristo torna-se presente através da obra do Espírito Santo, aqueles eventos salvíficos tornam-se actuais. Há uma palavra-chave que é citada com frequência na Liturgia para indicar isto: a palavra «hoje»; e ela deve ser entendida em sentido originário e concreto, não metafórico. Hoje Deus revela a sua lei e hoje é-nos dado escolher entre o bem e o mal, entre a vida e a morte (cf. Dt 30, 19); hoje «o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho» (Mc 1, 15); hoje Cristo morreu no Calvário e ressuscitou dos mortos; subiu ao céu e está sentado à direita do Pai; hoje é-nos conferido o Espírito Santo; hoje é um tempo favorável. Então, participar na Liturgia significa imergir a própria vida no mistério de Cristo, na sua presença permanente, percorrer um caminho em que entramos na sua morte e ressurreição para receber a vida.

Nos domingos da Quaresma, de modo totalmente particular neste ano litúrgico do ciclo A, somos introduzidos a viver um itinerário baptismal, como que a repercorrer o caminho dos catecúmenos, daqueles que se preparam para receber o Baptismo, para reavivar em nós este dom e para fazer com que a nossa vida recupere as exigências e os compromissos deste Sacramento, que está na base da nossa vida cristã. Na Mensagem que enviei para esta Quaresma, desejei evocar o nexo particular que une o Tempo quaresmal ao Baptismo. Desde sempre, a Igreja associa a Vigília pascal à celebração do Baptismo, passo por passo: é nele que se realiza aquele grande mistério pelo qual o homem, morto para o pecado, se torna partícipe da vida nova em Cristo ressuscitado e recebe o Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8, 11). As Leituras que ouviremos nos próximos domingos, e às quais vos convido a prestar atenção especial, são tiradas precisamente da tradição antiga, que acompanhava o catecúmeno na descoberta do Baptismo: elas são o grande anúncio daquilo que Deus realiza neste Sacramento, uma maravilhosa catequese baptismal dirigida a cada um de nós. O primeiro Domingo, chamado Domingo da tentação porque apresenta as tentações de Jesus no deserto, convida-nos a renovar a nossa decisão definitiva por Deus e a enfrentar com coragem a luta que nos espera para lhe permanecermos fiéis. Apresenta-se sempre de novo esta necessidade de decisão, de resistir ao mal, de seguir Jesus. Neste Domingo a Igreja, depois de ter ouvido o testemunho dos padrinhos e dos catequistas, celebra a eleição daqueles que são admitidos aos Sacramentos pascais. O segundo Domingo é chamado de Abraão e da Transfiguração. O Baptismo é o sacramento da fé e da filiação divina; como Abraão, pai dos fiéis, também nós somos convidados a partir, a sair da nossa terra, a deixar as seguranças que nos construímos, e voltar a depositar a nossa confiança em Deus; a meta entrevê-se na transfiguração de Cristo, o Filho amado no Qual também nós somos «filhos de Deus». Nos Domingos seguintes é apresentado o Baptismo nas imagens da água, da luz e da vida. O terceiro Domingo faz-nos encontrar a Samaritana (cf. Jo 4, 5-42). Como Israel no Êxodo, também nós no Baptismo recebemos a água salvífica; como diz à Samaritana, Jesus tem água de vida, que sacia toda a sede; e esta água é o seu próprio Espírito. Neste Domingo, a Igreja celebra o primeiro escrutínio dos catecúmenos e, durante a semana, entrega-lhes o Símbolo: a Profissão da fé, o Credo. O quarto Domingo faz-nos meditar sobre a experiência do «cego de nascença» (cf. Jo 9, 1-41). No Baptismo somos libertados das trevas do mal e recebemos a luz de Cristo para viver como filhos da luz. Também nós devemos aprender a ver a presença de Deus no rosto de Cristo e assim a luz. No caminho dos catecúmenos celebra-se o segundo escrutínio. Enfim, o quinto Domingo apresenta-nos a ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11, 1-45). No Baptismo, nós passamos da morte para a vida, tornando-nos capazes de agradar a Deus, de fazer morrer o homem velho para viver do Espírito do Ressuscitado. Para os catecúmenos, celebra-se o terceiro escrutínio e durante a semana eles recebem a oração do Senhor: o Pai-Nosso.

Este itinerário da Quaresma que somos convidados a percorrer na Quaresma é caracterizado, na tradição da Igreja, por algumas práticas: o jejum, a esmola e a oração. O jejum significa a abstinência do alimento, mas abrange outras formas de privação para uma vida mais sóbria. Porém, tudo isto ainda não é a realidade completa do jejum: é o sinal externo de uma realidade interior, do nosso compromisso, com a ajuda de Deus, de nos abstermos do mal e de vivermos do Evangelho. Não jejua verdadeiramente quem não sabe alimentar-se da Palavra de Deus.

Na tradição cristã, o jejum está ligado estreitamente à esmola. São Leão Magno ensinava num dos seus discursos sobre a Quaresma: «Aquilo que cada cristão deve realizar em todos os tempos, agora deve praticá-lo com maiores solicitude e devoção, para que se cumpra a norma apostólica do jejum quaresmal, que consiste na abstinência não apenas dos alimentos, mas também e sobretudo dos pecados. Além disso, a estes jejuns obrigatórios e santos, nenhuma obra pode ser associada mais utilmente que a esmola que, sob o único nome de “misericórdia”, inclui muitas obras boas. Imenso é o campo das obras de misericórdia. Não só os ricos e abastados podem beneficiar os outros com a esmola, mas também quantos vivem em condições modestas e pobres. Assim, desiguais nos bens de fortuna, todos podem ser iguais nos sentimentos de piedade da alma» (Discurso 6 sobre a Quaresma, 2: PL 54, 286). Na sua Regra pastoral, são Gregório Magno recordava que o jejum torna-se santo através das virtudes que o acompanham, sobretudo da caridade e de cada gesto de generosidade, que confere aos pobres e aos necessitados o fruto de uma nossa privação (cf. 19, 10-11).

Além disso, a Quaresma é um período privilegiado para a oração. Santo Agostinho diz que o jejum e a esmola são «as duas asas da oração», que lhe permitem tomar mais facilmente o seu impulso e chegar até Deus. Ele afirma: «Deste modo a nossa oração, feita de humildade e caridade, no jejum e na esmola, na temperança e no perdão das ofensas, oferecendo coisas boas e não restituindo as más, afastando-se do mal e praticando o bem, procura e alcança a paz. Com as asas destas virtudes, a nossa oração voa com segurança e é levada mais facilmente até ao céu, onde nos precedeu Cristo nossa paz» (Sermão 206, 3 sobre a Quaresma: PL 38, 1042). A Igreja sabe que, pela nossa debilidade, é difícil manter-se silêncio para nos colocarmos diante de Deus e adquirirmos a consciência da nossa condição de criaturas que dependem dele e de pecadores necessitados do seu amor; por isso, na Quaresma, convida a uma oração mais fiel e intensa, e a uma prolongada meditação sobre a Palavra de Deus. São João Crisóstomo exorta: «Adorna a tua casa de modéstia e humildade, mediante a prática da oração. Torna maravilhosa a tua habitação com a luz da justiça; ornamenta as suas paredes com as boas obras, como de um verniz de ouro puro, e no lugar dos muros e das pedras preciosas, coloca a fé e a magnanimidade sobrenatural, pondo acima de todas as coisas, no auge de tudo, a oração como decoração de todo o conjunto. Assim preparas uma moradia digna do Senhor, assim o recebes numa mansão maravilhosa. Ele conceder-te-á transformar a tua alma em templo da sua presença» (Homilia 6 sobre a Oração: pg 64, 466).

Caros amigos, neste caminho quaresmal, estejamos atentos a aceitar o convite de Cristo a segui-lo de modo mais decidido e coerente, renovando a graça e os compromissos do nosso Baptismo, para abandonar o homem velho que está em nós e para nos revestirmos de Cristo, em vista de chegarmos renovados à Páscoa e de podermos dizer juntamente com são Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20). Bom caminho quaresmal a todos vós. Obrigado!

Quarta, 23 Março 2011 19:06

São Francisco de Sales

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São Francisco de Sales

Amados irmãos e irmãs

so_francisco_de_sales«Dieu est le Dieu du coeur humain» [Deus é o Deus do coração humano] (Tratado do Amor de Deus, I, XV): nestas palavras aparentemente simples vemos a característica da espiritualidade de um grande mestre, do qual gostaria de vos falar hoje: são Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja. Nasceu em 1567, numa região francesa de fronteira, filho do Senhor de Boisy, antiga e nobre família de Sabóia. Viveu entre dois séculos, XVI-XVII, e reuniu em si o melhor dos ensinamentos e das conquistas culturais do século que terminava, reconciliando a herança do humanismo com o impulso rumo ao absoluto, próprio das correntes místicas. A sua formação foi muito atenta; realizou os estudos superiores em Paris, dedicando-se também à teologia, e na Universidade de Pádua fez os estudos de jurisprudência, como desejava o pai, concluindo-os de modo brilhante, com uma licenciatura in utroque iure, direito canónico e direito civil. Na sua juventude harmoniosa, ponderando sobre o pensamento dos santos Agostinho e Tomás de Aquino, teve uma crise profunda que o levou a interrogar-se sobre a própria salvação eterna e acerca da predestinação de Deus no que se lhe referia, padecendo como verdadeiro drama espiritual as principais questões teológicas da sua época. Rezava intensamente, mas a dúvida atormentou-o de maneira tão forte, que durante algumas semanas praticamente não conseguiu comer nem dormir. No ápice da provação foi à igreja dos Dominicanos, em Paris, abriu o seu coração e orou assim: «Aconteça o que acontecer, Senhor, Vós que tendes tudo nas vossas mãos, e cujos caminhos são justiça e verdade; independentemente do que tiverdes estabelecido a meu propósito...; Vós que sois sempre Juiz justo e Pai misericordioso, amar-vos-ei, ó Senhor […] amar-vos-ei aqui, ó meu Deus, e esperarei sempre na vossa misericórdia, e repetirei sempre o vosso louvor... Ó Senhor Jesus, Vós sereis sempre a minha esperança e a minha salvação, na terra dos vivos» (I Proc. Canon., vol. I, art 4). Francisco, então com vinte anos, encontrou a paz na realidade radical e libertadora do amor de Deus: amá-lo sem nada pedir em troca, confiando no amor divino; já não perguntar o que Deus fará de mim: amo-O simples e independentemente de quanto Ele me concede ou não. Assim encontrou a paz, e a questão da predestinação — sobre a qual se debatia naquela época — tinha sido resolvida, porque ele não buscava mais do que podia receber de Deus; amava-O simplesmente, abandonando-se à sua bondade. E este será o segredo da sua vida, que transparecerá na sua obra principal: o Tratado do amor de Deus.

Vencendo as resistências do pai, Francisco seguiu o chamamento do Senhor e, no dia 18 de Dezembro de 1593, foi ordenado sacerdote. Em 1602 tornou-se Bispo de Genebra, num período em que a cidade era uma fortaleza do Calvinismo, a tal ponto que a sede episcopal se encontrava «no exílio», em Annecy. Pastor de uma diocese pobre e atormentada, na paisagem montanhosa da qual conhecia bem tanto a dureza como a beleza, ele escreve: «Encontrei-O [Deus] repleto de candor e suavidade, no meio das nossas montanhas mais altas e íngremes, onde muitas almas simples O amavam e adoravam com toda a verdade e sinceridade; cabritos-monteses e corças corriam aqui e ali, no meio de geleiras assustadoras, para anunciar os seus louvores» (Carta à Madre de Chantal, Outubro de 1606, em Oeuvres, Ed. Mackey, T. XIII, p. 223). E no entanto, a influência da sua vida e do seu ensinamento na Europa dessa época e dos séculos seguintes parece imensa. É apóstolo, pregador, escritor, homem de acção e de oração; comprometido na realização dos ideais do Concílio de Trento; empenhado na controvérsia e no diálogo com os protestantes, experimentando cada vez mais, para além do necessário confronto teológico, a eficácia da relação pessoal e da caridade; encarregado de missões diplomáticas a nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e de reconciliação. Mas sobretudo, são Francisco de Sales é guia de almas: do encontro com uma jovem, a senhora de Charmoisy, encontrará inspiração para escrever um dos livros mais lidos na era moderna, a Introdução à vida devota; da sua profunda comunhão espiritual com uma personalidade extraordinária, santa Joana Francisca de Chantal, nascerá uma nova família religiosa, a Ordem da Visitação, caracterizada — como o santo desejava — por uma consagração total a Deus, vivida na simplicidade e na humildade, a cumprir extraordinariamente bem as tarefas ordinárias: «…quero que as minhas Filhas — escreve — não tenham outro ideal, a não ser o de glorificar [Nosso Senhor] com a sua humildade» (Carta a mons. de Marquemond, Junho de 1615). Faleceu em 1622, com cinquenta e cinco anos de idade, depois de uma existência marcada pela dureza dos tempos e da obra apostólica.

A vida de são Francisco de Sales foi relativamente breve, mas vivida com grande intensidade. Da figura deste santo emana uma impressão de rara plenitude, demonstrada na tranquilidade da sua investigação intelectual, mas também na riqueza dos seus afectos, na «docilidade» dos seus ensinamentos, que tiveram uma grande influência sobre a consciência cristã. Da palavra «humanidade» ele encarnou várias acepções que, tanto hoje como ontem, este termo pode adquirir: cultura e cortesia, liberdade e ternura, nobreza e solidariedade. No aspecto tinha algo da majestosidade da paisagem em que viveu, conservando também a sua simplicidade e naturalidade. As antigas palavras e imagens com que se expressava ressoam inesperadamente, até aos ouvidos do homem contemporâneo, como uma língua nativa e familiar.

Na Filotea, destinatária ideal da sua Introdução à vida devota (1607), Francisco de Sales dirige um convite que, nessa época, podia parecer revolucionário. Trata-se do convite a pertencer completamente a Deus, vivendo em plenitude a presença no mundo e as tarefas da sua condição. «A minha intenção é de instruir aqueles que vivem nas cidades, no estado conjugal, na corte […]» (Prefácio da Introdução à vida devota). O Documento com que o Papa Pio ix, mais de dois séculos depois, o proclamará Doutor da Igreja, insistirá sobre esta ampliação da chamada à perfeição, à santidade. Nele está escrito: «[A verdadeira piedade] chegou a penetrar até no trono dos reis, na tenda dos chefes dos exércitos, no pretório dos juízes, nos escritórios, nas oficinas e nas cabanas dos pastores […]» (Breve Dives in misericordia, 16 de Novembro de 1877). Assim nascia aquele apelo aos leigos, o cuidado pela consagração das realidades temporais e pela santificação da vida diária, sobre o qual insistirão depois o Concílio Vaticano II e a espiritualidade do nosso tempo. Manifestava-se o ideal de uma humanidade reconciliada, na sintonia entre acção no mundo e oração, entre condição secular e busca da perfeição, com a ajuda da Graça de Deus, que permeia o humano e, sem o destruir, o purifica, elevando-o às alturas divinas. A Teótimo, o cristão adulto, espiritualmente maduro, ao qual dirige alguns anos depois o seu Tratado do amor de Deus (1616), são Francisco de Sales oferece uma lição mais complexa. Ela supõe, no início, uma visão específica do ser humano, uma antropologia: a «razão» do homem, aliás, a sua «alma razoável», é aí vista como uma construção harmoniosa, um templo subdividido em vários espaços, ao redor de um centro ao qual ele chama, juntamente com os grandes místicos, «cimo», «ponta» do espírito, ou «fundo» da alma. É o ponto em que a razão, percorrendo todas as suas fases, «fecha os olhos» e o conhecimento se torna um só com o amor (cf. livro I, cap. XII). Que o amor, na sua dimensão teologal e divina seja a razão de ser de todas as realidades, numa escada ascendente que não parece conhecer fracturas nem abismos, são Francisco de Sales resumiu-o nesta frase célebre: «O homem é a perfeição do universo; o espírito é a perfeição do homem; o amor é a do espírito, e a caridade a do amor» (Ibid., livro X, cap. I).

Num período de intenso florescimento místico, o Tratado do amor de Deus é uma verdadeira suma, e ao mesmo tempo uma obra literária fascinante. A sua descrição do itinerário rumo a Deus começa a partir do reconhecimento da «inclinação natural» (Ibid., livro I, cap. XVI), inscrita no coração do homem, também do pecador, a amar a Deus acima de todas as coisas. Segundo o modelo da Sagrada Escritura, são Francisco de Sales fala da união entre Deus e o homem, desenvolvendo toda uma série de imagens de relação interpessoal. O seu Deus é pai e senhor, esposo e amigo, tem características maternas e de nutriz, é o sol do qual até a noite é uma misteriosa revelação. Este Deus atrai o homem a Si com vínculos de amor, ou seja, de verdadeira liberdade: «Pois o amor não tem forçados nem escravos, mas reduz tudo à sua obediência com um vigor tão delicioso que, se nada é tão forte como o amor, nada é tão amável como a sua força» (Ibid., livro I, cap. VI). No Tratado do nosso santo encontramos uma meditação profunda sobre a vontade humana e a descrição do seu fluir, passar e morrer para viver (cf. ibid., livro IX, cap. XIII) no abandono completo não apenas à vontade de Deus, mas àquilo que é do seu agrado, ao seu «bon plaisir», ao seu beneplácito (cf. ibid., livro IX, cap. I). No ápice da união com Deus, além dos arrebatamentos da êxtase contemplativa, coloca-se aquele fluxo de caridade concreta, que se faz atenta a todas as necessidades do próximo, à qual ele chama «êxtase da vida e das obras» (Ibid., livro VII, cap. VI).

Lendo o livro sobre o amor de Deus e ainda mais as numerosas cartas de guia e de amizade espiritual, compreende-se bem como são Francisco de Sales foi um grande conhecedor do coração humano. A santa Joana de Chantal, a quem escreve: «[…] Eis a regra da nossa obediência, que te escrevo com caracteres grandes: fazer tudo por amor, nada por força — amar mais a obediência do que temer a desobediência. Deixo-te o espírito de liberdade, não aquele que exclui a obediência, porque ela é a liberdade do mundo; mas aquele que exclui a violência, a ansiedade e o escrúpulo» (Carta, 14 de Outubro de 1604). Não é por acaso que, na origem de muitas formas da pedagogia e da espiritualidade do nosso tempo, encontramos precisamente o vestígio deste mestre, sem o qual não teriam existido são João Bosco, nem o heróico «pequeno caminho» de santa Teresa de Lisieux.

Caros irmãos e irmãs, num período como o nosso que procura a liberdade, mesmo com violência e inquietação, não deve passar despercebida a actualidade deste grande mestre de espiritualidade e de paz, que transmite aos seus discípulos o «espírito de liberdade», aquela verdadeira, no ápice de um ensinamento fascinante e completo sobre a realidade do amor. São Francisco de Sales é uma testemunha exemplar do humanismo cristão; com o seu estilo familiar, com parábolas que às vezes têm as asas da poesia, recorda que o homem traz inscrita no profundo de si mesmo a saudade de Deus, e que somente nele encontra a alegria autêntica e a sua realização mais completa.

Quarta, 23 Março 2011 18:55

São Roberto Belarmino

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São Roberto Belarmino

Queridos irmãos e irmãs,

São Roberto Belarmino, de quem desejo falar-vos hoje, leva-nos com a memória ao tempo da dolorosa cisão da cristandade ocidental, quando uma grave crise política e religiosa provocou a separação de nações inteiras da Sé Apostólica.

so_roberto_belarminoNasceu a 4 de Outubro de 1542 em Montepulciano, nos arredores de Sena, e era sobrinho por parte da mãe do Papa Marcelo II. Recebeu uma excelente formação humanística antes de entrar na Companhia de Jesus, a 20 de Setembro de 1560. Os estudos de filosofia e teologia, que completou entre o Colégio Romano, Pádua e Lovaina, centrados sobre s. Tomás e os Padres da Igreja, foram decisivos para a sua orientação teológica. Ordenado sacerdote a 25 de Março de 1570, foi durante alguns anos professor de teologia em Lovaina. Sucessivamente, tendo sido chamado a Roma como professor no Colégio Romano, foi-lhe confiada a cátedra de «Apologética»; na década em que desempenhou tal cargo (1576–1586), elaborou um curso de lições que depois confluíram nas Controversiae, obra que se tornou imediatamente célebre pela clareza e riqueza de conteúdo e pela sua tonalidade predominantemente histórica. O Concílio de Trento tinha terminado há pouco tempo e para a Igreja católica era necessário revigorar e confirmar a sua identidade, também em relação à Reforma protestante. A obra de Belarmino inseriu-se neste contexto. De 1588 a 1594 foi inicialmente padre espiritual dos estudantes jesuítas do Colégio Romano, entre os quais encontrou e orientou são Luís Gonzaga, e depois superior religioso. O Papa Clemente VIII nomeou-o teólogo pontifício, consultor do Santo Ofício e reitor do Colégio dos Penitenciários da Basílica de São Pedro. Ao biénio de 1597–1598 remonta o seu catecismo, Doutrina cristã breve, que foi a sua obra mais popular.

No dia 3 de Março de 1599 foi criado cardeal pelo Papa Clemente VIII e, a 18 de Março de 1602, nomeado arcebispo de Cápua. Recebeu a ordenação episcopal em 21 de Abril desse mesmo ano. Durante os três anos em que foi bispo diocesano, distinguiu-se pelo zelo de pregador na sua catedral, pela visita que realizava semanalmente às paróquias, pelos três Sínodos diocesanos e um Concílio provincial que promoveu. Depois de ter participado nos conclaves que elegeram Papas Leão XI e Paulo V, foi novamente chamado a Roma, para ser membro das Congregações do Santo Ofício, para o Índex, os Ritos, os Bispos e a Propagação da Fé. Desempenhou inclusive funções diplomáticas, junto da República de Veneza e da Inglaterra, em defesa dos direitos da Sé Apostólica. Nos seus últimos anos, compôs vários livros de espiritualidade, nos quais condensou o fruto dos seus exercícios espirituais anuais. Com a sua leitura o povo cristão ainda hoje se sente muito edificado. Faleceu em Roma, no dia 17 de Setembro de 1621. O Papa Pio XI beatificou-o em 1923, canonizou-o em 1930 e proclamou-o Doutor da Igreja em 1931.

São Roberto Belarmino desempenhou um papel importante na Igreja das últimas décadas do século XVI e do início do século seguinte. As suas Controversiae constituem um ponto de referência, ainda hoje válido, para a eclesiologia católica sobre as questões relativas à Revelação, à natureza da Igreja, aos Sacramentos e à antropologia teológica. Nelas é acentuado o aspecto institucional da Igreja, por causa dos erros que então circulavam a propósito de tais questões. Todavia, Belarmino esclareceu também os aspectos invisíveis da Igreja como Corpo místico e explicou-os com a analogia do corpo e da alma, com a finalidade de descrever a relação entre as riquezas interiores da Igreja e os aspectos exteriores que a tornam perceptível. Nesta obra monumental, que procura sistematizar as várias controvérsias teológicas dessa época, ele evita toda a abordagem polémica e agressiva em relação às ideias da Reforma, mas utilizando os argumentos da razão e da Tradição da Igreja, ilustra a doutrina católica de modo claro e eficaz.

Todavia, a sua herança consiste no modo como concebeu o seu trabalho. Com efeito, as gravosas funções de governo não o impediram de tender, quotidianamente, para a santidade com a fidelidade às exigências da própria condição de religioso, sacerdote e bispo. É desta fidelidade que provém o seu compromisso na pregação. Dado que, como sacerdote e bispo, é antes de tudo um pastor de almas, sentia o dever de pregar assiduamente. Pregou centenas de sermones — homilias — na Flandres, em Roma, em Nápoles e em Cápua, por ocasião das celebrações litúrgicas. Não menos abundantes são as suas expositiones e as explanationes aos párocos, às religiosas e aos estudantes do Colégio Romano, que têm com frequência como objecto a Sagrada Escritura, especialmente as Cartas de são Paulo. A sua pregação e as suas catequeses apresentam aquela mesma índole de essencialidade, que tinha aprendido da educação inaciana, inteiramente destinada a concentrar as forças da alma sobre o Senhor Jesus, intensamente conhecido, amado e imitado.

Nos escritos deste homem de governo sente-se de modo muito claro, apesar da reserva por detrás da qual ele esconde os seus sentimentos, o primado que ele assegura aos ensinamentos de Cristo. Assim, são Roberto Belarmino oferece um modelo de oração, alma de todas as actividades: uma oração que ouve a Palavra do Senhor, que se satisfaz ao contemplar a sua grandeza, que não se fecha em si mesma, mas tem a alegria de se abandonar a Deus. Um sinal distintivo da espiritualidade de Belarmino é a percepção viva e pessoal da imensa bondade de Deus, pelo que o nosso santo se sentia verdadeiramente filho amado de Deus e o recolher-se com serenidade e simplicidade, em oração, em contemplação de Deus era para ele fonte de grande alegria. No seu livro De ascensione mentis in Deum — Elevação da mente a Deus — composto segundo o esquema do Itinerarium de são Boaventura, exclama: «Ó alma, o teu exemplar é Deus, beleza infinita, luz sem sombras, esplendor que supera aquele da lua e do sol. Eleva os olhos a Deus, em quem se encontram os arquétipos de todas as coisas e do qual, como de uma fonte de fecundidade infinita, deriva esta variedade quase infinita das coisas. Portanto, deve concluir: quem encontra Deus, encontra tudo; quem perde Deus, perde tudo».

Neste texto sente-se o eco da célebre contemplatio ad amorem obtineundum — contemplação para alcançar o amor — dos Exercícios espirituais de santo Inácio de Loyola. Belarmino, que vive na sociedade opulenta e frequentemente malsã do último período do século xvi e do primeiro período do século XVII, desta contemplação haure aplicações práticas e projecta a situação da Igreja do seu tempo com um vigoroso ímpeto pastoral. No livro De arte bene moriendi — A arte de morrer bem — por exemplo, indica como norma segura do bom viver, e também do bom morrer, a meditação frequente e séria, de que se deverá prestar contas a Deus das próprias acções e do próprio modo de viver, e procurar não acumular riquezas nesta terra, mas viver com simplicidade e com caridade, de maneira a acumular bens no Céu. No livro De gemitu columbae — O gemido da pomba, onde a pomba representa a Igreja — exorta com força o clero e todos os fiéis a uma reforma pessoal e concreta da própria vida, seguindo aquilo que ensinam a Escritura e os Santos, entre os quais em particular são Gregório de Nazianzo, são João Crisóstomo, são Jerónimo e santo Agostinh, além dos grandes fundadores de Ordens religiosas, como são Bento, são Domingos e são Francisco. Belarmino ensina com grande clareza e com o exemplo da sua própria vida, que não pode haver uma verdadeira reforma da Igreja, se antes não houver a nossa reforma pessoal e a conversão do nosso coração.

Dos Exercícios espirituais de santo Inácio, Belarmino hauria conselhos para comunicar de modo profundo, até aos mais simples, a beleza dos mistérios da Fé. Ele escreve: «Se tens sabedoria, compreendes que foste criado para a glória de Deus e para a tua salvação eterna. Esta é a tua finalidade, este é o centro da tua alma, este é o tesouro do teu coração. Por isso, considera verdadeiro bem para ti aquilo que te conduz para o teu fim, e verdadeiro mal aquilo que te priva dele. Acontecimentos prósperos ou adversos, riquezas e pobrezas, saúde e doença, honras e ofensas, vida e morte, o sábio não deve procurá-los nem rejeitá-los para si mesmo. Mas só são bons e desejáveis, se contribuírem para a glória de Deus e para a tua felicidade eterna; são maus e devem ser evitados, se a impedirem» (De ascensione mentis in Deum, grad. 1).

Obviamente, não se trata de palavras que passaram de moda, mas palavras que hoje devemos meditar prolongadamente, para orientar o nosso caminho nesta terra. Elas recordam-nos que a finalidade da nossa vida é o Senhor, o Deus que se revelou em Jesus Cristo, em quem Ele continua a chamar-nos e a prometer-nos a comunhão com Ele. Estas palavras recordam-nos a importância de confiar no Senhor, de levar uma vida fiel ao Evangelho, de aceitar e iluminar com a fé e com a oração todas as circunstâncias e todas as obras da nossa vida, sempre orientados para a união com Ele. Amém!

São João da Cruz

Queridos irmãos e irmãs,

duas semanas apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje gostaria de falar de outro importante santo daquelas terras, amigo espiritual de santa Teresa, reformador com ela da família religiosa carmelita: são João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio xi em 1926, e chamado na tradição Doctor mysticus, «Doutor místico».

João da Cruz nasceu em 1542 no povoado de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castela, de Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. A família era extremamente so_joo_da_cruzpobre porque o pai, de nobre origem de Toledo, tinha sido expulso de casa e deserdado por ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, com nove anos, transferiu-se com a mãe e o irmão Francisco para Medina del Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural. Ali frequentou o Colegio de los Doctrinos, desempenhando também alguns trabalhos humildes para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, considerando as suas qualidades humanas e os seus resultados nos estudos, foi admitido primeiro como enfermeiro no Hospital da Conceição, depois no Colégio dos Jesuítas, recém-fundado em Medina del Campo: ali João entrou com dezoito anos e estudou ciências humanas, retórica e línguas clássicas durante três anos. No final da formação, ele viu claramente qual era a sua vocação: a vida religiosa e, entre as muitas ordens presentes em Medina, sentiu-se chamado ao Carmelo.

No Verão de 1563 começou o noviciado com os Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de João de São Matias. No ano seguinte foi destinado à prestigiosa Universidade de Salamanca, onde por três anos estudou artes e filosofia. Em 1567 foi ordenado sacerdote e voltou a Medina del Campo para celebrar a sua primeira Missa circundado pelo carinho dos familiares. Precisamente ali teve lugar o primeiro encontro entre João e Teresa de Jesus. O encontro foi decisivo para ambos: Teresa expôs-lhes o seu plano de reforma do Carmelo também no ramo masculino da Ordem e propôs a João que se adaptasse «para maior glória de Deus»; o jovem sacerdote ficou fascinado pelas ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande defensor do projecto. Os dois trabalharam juntos alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar quanto antes possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura ocorreu a 28 de Dezembro de 1568 em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João formavam esta primeira comunidade masculina reformada outros três companheiros. Ao renovar a sua profissão religiosa segundo a Regra primitiva, os quatro assumiram um novo nome: Então, João denominou-se «da Cruz», como depois será conhecido universalmente. No final de 1572, a pedido de santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação em Ávila, onde a santa era priora. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que a ambos enriqueceram. A esse período remontam inclusive as mais importantes obras teresianas e os primeiros escritos de João.

A adesão à reforma carmelita não foi fácil, e causou a João também graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu rapto e aprisionamento no convento dos Carmelitas de Antiga Observância de Toledo, devido a uma acusação injusta. O santo permaneceu preso durante meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali compôs, além de outras poesias, o célebre Cântico espiritual. Finalmente, na noite entre 16 e 17 de Agosto de 1578, conseguiu fugir de modo aventuroso, refugiando-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com imensa alegria a sua libertação e, após um breve período de recuperação das forças, João foi destinado para a Andalusia, onde transcorreu dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu cargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário provincial, e completou a redacção dos seus tratados espirituais. Depois, voltou para a sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que já gozava de plena autonomia jurídica. Habitou no Carmelo de Segóvia, desempenhando a função de superior daquela comunidade. Em 1591 foi eximido de qualquer responsabilidade e destinado à nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com serenidade e paciência exemplares normes sofrimentos. Falceu na noite entre 13 e 14 de Dezembro de 1591, enquanto os irmãos de hábito recitavam o Ofício matutino. Despediu-se deles, dizendo: «Hoje vou cantar o Ofício no Céu». Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente x em 1675 e canonizado por Bento XIII em 1726.

João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. As obras principais são quatro: Subida ao Monte Carmelo, Noite obscura, Cântico espiritual e Chama de amor viva.

No Cântico espiritual, são João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a posse progressiva e jubilosa de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com que é por Ele amada. A Chama de amor viva continua nesta perspectiva, descrevendo mais pormenorizadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo, quanto mais arde e consome a madeira, tanto mais se torna incandescente até se tornar chama, também o Espírito Santo, que durante a noite obscura purifica e «limpa» a alma, com o tempo ilumina-a e aquece-a como se fosse uma chama. A vida da alma é uma festa contínua do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.

A Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual sob o ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar a montanha da perfeição cristã, simbolizada pelo cimo do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a obra divina, para libertar a alma de todo o apego ou afecto contrário à vontade de Deus. A purificação, que para alcançar a união com Deus deve ser total, começa a partir daquela da vida dos sentidos e continua com a que se alcança por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite obscura descreve o aspecto «passivo», ou seja, a intervenção de Deus neste processo de «purificação» da alma. Com efeito, o esforço humano sozinho é incapaz de chegar às profundas raízes das más inclinações e hábitos da pessoa: só os pode impedir, mas não consegue erradicá-los completamente. Para o fazer, é necessária a acção especial de Deus, que purifica radicalmente o espírito e o dispõe para a união de amor com Ele. São João define «passiva» tal purificação, precisamente porque, embora seja aceite pela alma, é realizada pela obra misteriosa do Espírito Santo que, como chama de fogo, consome toda a impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo o tipo de provações, como se se encontasse numa noite obscura.

Estas indicações sobre as obras principais do santo ajudam-nos a aproximar-nos dos pontos salientes da sua vasta e profunda doutrina mística, cuja finalidade é descrever um caminho seguro para alcançar a santidade, a condição de perfeição à qual Deus chama todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, nós conseguimos chegar à descoberta daquele que nelas deixou um vestígio de Si. De qualquer modo, a fé é a única fonte confiada ao homem para conhecer Deus como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo o que Deus queria comunicar ao homem, disse-o em Jesus Cristo, a sua Palavra que se fez carne. Jesus Cristo é o único e definitivo caminho para o Pai (cf. Jo 14, 6). Qualquer coisa criada nada é em comparação com Deus, e nada vale fora dele: por conseguinte, para alcançar o amor perfeito de Deus, todos os outros amores devem conformar-se em Cristo com o amor divino. Daqui deriva a insistência de são João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para se transformar em Deus, que é a única meta da perfeição. Esta «purificação» não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, ao contrário, é eliminar toda a dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser inserido em Deus como centro e fim da vida. Sem dúvida, o longo e cansativo processo de purificação exige o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é «dispor-se», estar aberto à obra divina e não lhe pôr obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem eleva-se e valoriza o próprio compromisso. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade caminha a par e passo com a obra de purificação e com a união progressiva com Deus, até se transformar nele. Quando alcança esta meta, a alma imerge-se na própria vida trinitária, e são João afirma que ela consegue amar a Deus com o mesmo amor com que Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis por que motivo o Doutor místico afirma que não existe verdadeira união de amor com Deus, se não culmina na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e já não deve passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma já se sente inundada pelo amor divino e alegra-se completamente nele.

Caros irmãos e irmãs, no fim permanece esta pergunta: com a sua mística excelsa, com este árduo caminho rumo ao cimo da perfeição, este santo tem algo a dizer também a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascese mística? Para encontrar a resposta, em primeiro lugar temos que ter presente que a vida de são João da Cruz não foi um «voar sobre as nuvens místicas», mas uma vida muito árdua, deveras prática e concreta, quer como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quer como superior provincial, quer ainda no cárcere dos seus irmãos de hábito, onde esteve exposto a insultos incríveis e a maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas precisamente nos meses passados na prisão, ele escreveu uma das suas obras mais bonitas. E assim podemos compreender que o caminho com Cristo, o andar com Cristo, «o Caminho», não é um peso acrescentado ao fardo já suficientemente grave da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesada esta carga, mas é algo totalmente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar este peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as molésticas da vida, porque traz em si esta grande luce; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, deixando-nos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado!

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São Pedro Canísio

Prezados irmãos e irmãs!

sao-pedro-canisioHoje gostaria de vos falar sobre são Pedro Kanis, Canísio na forma latinizada do seu sobrenome, uma figura muito importante no século XVI católico. Nasceu a 8 de Maio de 1521 em Nimega, na Holanda. O seu pai era burgomestre da cidade. Quando era estudante na Universidade de Colónia, frequentou os monges cartuxos de santa Bárbara, um centro propulsor de vida católica, e outros homens piedosos que cultivavam a espiritualidade da chamada devotio moderna. Entrou na Companhia de Jesus a 8 de Maio de 1543 em Mogúncia (Renânia-Palatinado), depois de ter seguido um curso de exercícios espirituais sob a guia do beato Pedro Favre, Petrus Faber, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loyola. Ordenado sacerdote em Junho de 1546 em Colónia, já no ano seguinte como teólogo do Bispo de Augsburgo, o cardeal Otto Truchsess von Waldburg, esteve presente no Concílio de Trento, onde colaborou com dois coirmãos, Diogo Laínez e Afonso Salmerón.

Em 1548, santo Inácio fez-lhe completar em Roma a formação espiritual e enviou-o depois ao Colégio de Messina para se exercitar em humildes serviços domésticos. Obteve em Bolonha o doutorado em teologia a 4 de Outubro de 1549 e foi destinado por santo Inácio ao apostolado na Alemanha. Em 2 de Setembro desse ano, visitou o Papa Paulo III em Castel Gandolfo e depois foi à Basílica de São Pedro para rezar. Aí implorou a ajuda dos grandes Santos Apóstolos Pedro e Paulo, que dessem eficácia permanente à Bênção apostólica para o seu grande destino, para a sua nova missão. No seu diário, anotou algumas palavras desta prece. Diz: «Ali senti que uma grande consolação e a presença da graça me eram concedidas por meio de tais intercessores [Pedro e Paulo]. Eles confirmavam a minha missão na Alemanha e pareciam transmitir-me, como apóstolo da Alemanha, o apoio da sua benevolência. Vós sabeis, Senhor, de quantos modos e quantas vezes nesse mesmo dia me confiastes a Alemanha, pela qual depois eu continuaria a ser solícito, pela qual desejaria viver e morrer».

Temos que ter presente o facto de que estamos no tempo da Reforma luterana, no momento em que a fé católica nos países de língua germânica, diante do fascínio da Reforma, parecia definhar. Era quase impossível a tarefa de Canísio, encarregado de revitalizar, de renovar a fé católica nos países germânicos. Só era possível em virtude da oração. Só era possível a partir do centro, ou seja, de uma profunda amizade pessoal com Jesus Cristo; amizade com Cristo no seu Corpo, a Igreja, que deve nutrir-se da Eucaristia, sua presença real.

Continuando a missão recebida de Inácio e do Papa Paulo III, Canísio partiu para a Alemanha e sobretudo para o Ducado da Baviera, que por vários anos foi o lugar do seu ministério. Como decano, reitor e vice-chanceler da Universidade de Ingolstadt, cuidou da vida académica da Instituição e da reforma religiosa e moral do povo. Em Viena, onde por um breve período foi administrador da Diocese, desempenhou o ministério pastoral nos hospitais e nas prisões, tanto na cidade como no campo, e preparou a publicação do seu Catecismo. Em 1556 fundou o Colégio de Praga e, até 1569, foi o primeiro superior da província jesuíta da Alemanha superior.

Nesse ofício, criou nos países germânicos uma densa rede de comunidades da sua Ordem, especialmente de colégios, que foram pontos de partida para a reforma católica, para a renovação da fé católica. Nessa época, participou também no diálogo de Worms com os dirigentes protestantes, entre os quais Filipe Melantone (1557); desempenhou a função de Núncio pontifício na Polónia (1558); participou nas duas Dietas de Augsburgo (1559 e 1565); acompanhou o Cardeal Estanislau Hozjusz, legado do Papa Pio IV junto do Imperador Ferdinando (1560); interveio na Sessão final do Concílio de Trento, onde falou sobre a questão da Comunhão sob as duas espécies e da Lista dos livros proibidos (1562).

Em 1580 retirou-se em Friburgo, na Suíça, dedicando-se inteiramente à pregação e à composição das suas obras, e ali faleceu em 21 de Dezembro de 1597. Beatificado pelo beato Pio IX em 1864, foi proclamado segundo Apóstolo da Alemanha pelo Papa Leão XIII em 1897, e pelo Papa Pio XI canonizado e proclamado Doutor da Igreja em 1925.

São Pedro Canísio transcorreu boa parte da sua vida em contacto com as pessoas socialmente mais importantes da sua época e exerceu uma influência especial com os seus escritos. Foi editor das obras completas de são Cirilo de Alexandria e de são Leão Magno, das Cartas de são Jerónimo e das Orações de são Nicolau de Flüe. Publicou livros de devoção em várias línguas, biografias de alguns santos suíços e muitos textos de homilética. Mas os seus escritos mais divulgados foram os três Catecismos, compostos de 1555 a 1558. O primeiro Catecismo destinava-se aos estudantes capazes de entender noções elementares de teologia; o segundo, aos jovens do povo para uma primeira instrução religiosa; o terceiro, aos jovens com uma formação escolar a nível de escolas secundárias e superiores. A doutrina católica era exposta com perguntas e respostas, brevemente, em termos bíblicos, com muita clareza e sem comentários polémicos. Só durante a sua vida houve 200 edições deste Catecismo! E sucederam-se centenas de edições até ao século XX. Assim na Alemanha, ainda na geração do meu pai, as pessoas chamavam o Catecismo simplesmente o Canísio: foi deveras o Catequista da Alemanha, formou a fé de pessoas durante séculos.

Eis uma características de são Pedro Canísio: saber compor harmoniosamente a fidelidade aos princípios dogmáticos com o devido respeito por cada pessoa. São Canísio distinguiu entre a apostasia consciente, culpável, da fé, da perda da fé inculpável, nessas circunstâncias. E declarou, em relação a Roma, que a maior parte dos alemães que tinham passado para o Protestantismo não tinha culpa. Num momento histórico de fortes contrastes confessionais, evitava — é algo extraordinário — a aspereza e a retórica da ira — algo raro, como disse nessa época, nos debates entre os cristãos — e visava somente à apresentação das raízes espirituais e à revitalização da fé na Igreja. Para isto serviu o conhecimento vasto e incisivo que ele tinha da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja: o mesmo conhecimento que sustentou a sua relação pessoal com Deus e a espiritualidade austera que lhe derivava da devotio moderna e da mística renana.

É característica para a espiritualidade de são Canísio uma profunda amizade pessoal com Jesus. Por exemplo, a 4 de Setembro de 1549 escreve no seu diário, falando com o Senhor: «No final Vós, como se me abrisses o coração do Sacratíssimo Corpo, que me parecia ver diante de mim, ordenastes-me para que bebesse daquela nascente, convidando-me por assim dizer a haurir as águas da minha salvação das vossas fontes, ó meu Salvador». E depois, vê que o Salvador lhe oferece um indumento com três partes que se chamam paz, amor e perseverança. E com este indumento composto de paz, amor e perseverança, Canísio desempenhou a sua obra de renovação do catolicismo. Esta sua amizade com Jesus — que é o centro da sua personalidade — alimentada pelo amor à Bíblia, pelo amor ao Sacramento, pelo amor aos Padres, esta amizade estava claramente unida à consciência de ser continuador da missão dos Apóstolos na Igreja. E isto recorda-nos que todo o evangelizador autêntico é sempre um instrumento unido, e por isso mesmo fecundo, com Jesus e com a sua Igreja.

Na amizade com Jesus, são Pedro Canísio formou-se no ambiente espiritual da Cartuxa de Colónia, onde vivera em íntimo contacto com dois místicos cartuxos: João Lansperger, latinizado em Lanspergius, e Nicolau van Hesche, latinizado em Eschius. Sucessivamente, aprofundou a experiência daquela amizade, familiaritas stupenda nimis, com a contemplação dos mistérios da vida de Jesus, que ocupam uma boa parte nos Exercícios espirituais de santo Inácio. A sua intensa devoção ao Coração do Senhor, que culminou na consagração ao ministério apostólico na Basílica Vaticana, encontra aqui o seu fundamento.

Na espiritualidade cristocêntrica de são Pedro Canísio arraiga-se uma profunda convicção: não há alma solícita da própria perfeição que não pratique todos os dias a oração, prece mental, meio comum que permite ao discípulo de Jesus viver a intimidade com o Mestre divino. Por isso, nos escritos destinados à educação espiritual do povo, o nosso santo insiste sobre a importância da Liturgia com os seus comentários aos Evangelhos, às festas, ao rito da Santa Missa e dos outros Sacramentos, mas ao mesmo tempo preocupa-se em mostrar aos fiéis a necessidade e a beleza que a oração pessoal diária acompanhe e impregne a participação no culto público da Igreja.

Trata-se de uma exortação e de um método que conservam intacto o seu valor, especialmente depois que foram repropostos de modo autorizado pelo Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum concilium: a vida cristã não cresce, se não for alimentada pela participação na Liturgia, de modo particular na Santa Missa dominical, e pela oração individual quotidiana, pelo contacto pessoal com Deus. No meio das mil actividades e dos múltiplos estímulos que nos circundam, é preciso encontrar todos os dias momentos de recolhimento diante do Senhor, para O ouvir e falar com Ele.

Ao mesmo tempo, é sempre actual e de valor permanente o exemplo que são Pedro Canísio nos deixou, não somente nas suas obras, mas sobretudo com a sua vida. Ele ensina com clareza que o ministério apostólico só é incisivo e produz frutos de salvação nos corações, se o pregador for testemunha pessoal de Jesus e souber ser instrumento à sua disposição, unido intimamente a Ele pela fé no seu Evangelho e na sua Igreja, por uma vida moralmente coerente e por uma prece incessante como o amor. E isto é válido para cada cristão que quiser viver com empenhamento e fidelidade a sua adesão a Cristo. Obrigado!

Terça, 15 Fevereiro 2011 21:08

Oração pela Vida Nascente

Escrito por

ORAÇÃO DO PAPA BENTO XVI

Basílica Vaticana
Sábado, 27 de Novembro de 2010

 

Senhor Jesus,
que fielmente visitais e cumulais
com a vossa Presença
a Igreja e a história dos homens;
que no admirável Sacramento
do vosso Corpo e do vosso Sangue
nos tornais partícipes da Vida divina
e nos fazeis antegozar
a alegria da Vida eterna;
nós vos adoramos e vos bendizemos.

Prostrados diante de Vós,
nascente e amante da vida
realmente presente e vivo no meio de nós, suplicamos-vos.

Voltai a despertar em nós o respeito por cada vida humana nascente,
tornai-nos capazes de entrever
no fruto do ventre materno
a obra admirável do Criador,
disponde os nossos corações
ao acolhimento generoso de cada criança que está para nascer.

Abençoai as famílias,
santificai a união dos esposos,
tornai fecundo o seu amor.

Acompanhai com a luz
do vosso Espírito as opções
das assembleias legislativas,
para que os povos e as nações reconheçam e respeitem
a sacralidade da vida,
de cada vida humana.

Orientai a obra
dos cientistas e dos médicos,
a fim de que o progresso contribua para o bem integral da pessoa
e ninguém venha a sofrer
supressão e injustiça.

Infundi caridade criativa
nos administradores
e nos economistas,
para que saibam intuir e promover condições suficientes
a fim de que as jovens famílias possam abrir-se serenamente
ao nascimento de novos filhos.

Consolai os cônjuges que sofrem por causa da impossibilidade
de ter filhos e, na vossa bondade, sede providente para com eles.

Educai todos a cuidar das crianças órfãs ou abandonadas,
para que elas possam experimentar o calor da vossa Caridade,
a consolação
do vosso Coração divino.

Com Maria vossa Mãe,
a grande crente, em cuja seio assumistes a nossa natureza humana,
esperamos de Vós, nosso único
e verdadeiro Bem e Salvador,
a força de amar e servir a vida,
à espera de viver sempre em Vós,
na Comunhão
da Bem-Aventurada Trindade.

Sexta, 11 Fevereiro 2011 10:57

São Pedro Canísio - Catequese de Bento XVI

Escrito por

Catequese do Papa: sábia mansidão de São Pedro Canísio

Queridos irmãos e irmãs:

so_pedro_cansioHoje eu gostaria de falar de Pedro Kanis - Canísio, sob a forma latina de seu nome -, uma figura importante na Igreja Católica do século XVI. Ele nasceu em 8 de maio de 1521, em Nijmegen, Holanda. Seu pai era o prefeito da cidade. Enquanto estudava na Universidade de Colônia, visitou os monges cartuxos de Santa Bárbara, um centro propulsor da vida católica, e outros homens piedosos que cultivavam a espiritualidade chamada devotio moderna. Entrou na Companhia de Jesus a 8 de maio de 1543, em Mainz (Renânia-Palatinado), depois ter frequentado um curso de exercícios espirituais sob a supervisão do Beato Pedro Fabro, Petrus Faber, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loyola. Ordenou-se sacerdote em junho 1546, em Colônia, e, no ano seguinte, esteve presente no Concílio de Trento, como teólogo do Bispo da Áustria, o cardeal Otto Truchsess von Waldburg, onde trabalhou com dois irmãos, Diego Lainez e Alfonso Salmeron.

Em 1548, Inácio o fez completar sua formação espiritual em Roma e o mandou ao Colégio de Messina, para exercitar-se em humildes serviços domésticos. Em Bologna, obteve o doutorado em teologia, em 4 de outubro de 1549, e foi então enviado por Santo Inácio à Alemanha, para o apostolado. Em 2 de setembro daquele ano, 1549, visitou o Papa Paulo III em Castel Gandolfo e, depois disso, foi para a Basílica de São Pedro para rezar. Lá, implorou a ajuda dos grandes apóstolos Pedro e Paulo, para que dessem uma eficácia permanente à bênção apostólica para o seu grande destino, para a sua nova missão. Em seu diário, ele escreveu algumas palavras da oração que fez: "Lá, senti que um grande consolo e a presença da graça me foram concedidos por meio desses intercessores (Pedro e Paulo). Eles confirmaram a minha missão na Alemanha e pareciam transmitir-me, como apóstolo da Alemanha, o apoio da sua benevolência. Senhor, tu conheces de que maneira e quantas vezes nesse mesmo dia me confiaste a Alemanha, da qual logo cuidarei e pela qual desejo viver e morrer".

Devemos lembrar que estamos na época da Reforma luterana, no momento em que a fé católica nos países de fala germânica, diante do fascínio da Reforma, parecia estar se apagando. Era um dever quase impossível o de Canísio, responsável pela revitalização e pela renovação da fé católica nos países germânicos. Isso só seria possível com a força da oração. Seria possível apenas a partir da base, ou seja, a partir de uma profunda amizade com Jesus Cristo; amizade com Cristo no seu Corpo, a Igreja, que é alimentada na Eucaristia, sua presença real.

Seguindo a missão que recebeu de Inácio e do Papa Paulo III, Canísio partiu para a Alemanha e foi, em primeiro lugar, ao Ducado da Baviera, que durante muitos anos foi a sede do seu ministério. Como decano, reitor e vice-chanceler da Universidade de Ingolstadt, cuidou da vida acadêmica do Instituto e da reforma religiosa e moral do povo. Em Viena, onde por um breve tempo foi administrador da diocese, ele desenvolveu o ministério pastoral em hospitais e prisões, tanto na cidade como no campo, e preparou a publicação do Catecismo. Em 1556, fundou o Colégio de Praga e, até 1569, foi o primeiro superior da Província Jesuíta da Alta Alemanha.

Entre estas tarefas, estabeleceu nos países germânicos uma densa rede de comunidades da sua Ordem, especialmente colégios, que foram pontos de partida para a reforma católica, para a renovação da fé católica. Nesse tempo, também participou do Colóquio de Worms, com os líderes protestantes, entre os quais estava Filippo Melantone (1557); atuou como núncio pontifício na Polônia (1558); participou das duas Dietas de Augusta (1559 e 1565); acompanhou o cardeal Stanislao Hozjusz, enviado do Papa ao Imperador Ferdinando (1560); interveio na sessão final do Concílio de Trento, onde falou sobre a questão da Comunhão sob as duas espécies e sobre o Índice de Livros Proibidos (1562).

Em 1580, retirou-se para Friburgo, na Suíça, dedicado inteiramente à pregação e à composição de suas obras. Morreu lá, em 21 de dezembro de 1597. Beatificado pelo Beato Pio IX, em 1864, foi proclamado, em 1897, segundo Apóstolo da Alemanha pelo Papa Leão XIII; foi canonizado pelo Papa Pio XI e proclamado Doutor da Igreja em 1925.

São Pedro Canísio passou grande parte de sua vida em contato com as pessoas socialmente mais importantes da sua época e exerceu uma influência especial com seus escritos. Foi editor das obras completas de São Cirilo de Alexandria e de São Leão Magno, das Cartas de São Jerônimo e das Orações de São Nicolau de Flüe. Publicou livros de devoção em vários idiomas, biografias de alguns santos suíços e muitos textos de homilética. Mas seus escritos mais populares foram os três Catecismos elaborados entre 1555 e 1558. O primeiro foi desenvolvido para estudantes com um nível de compreensão das noções elementares de teologia; o segundo, para as crianças do povoado, para o início de uma instrução religiosa; o terceiro, para jovens com uma formação escolar média ou superior. A doutrina católica foi exposta em forma de perguntas e respostas, brevemente, em termos bíblicos, de forma muito clara e sem menções críticas.

Somente durante a sua vida, foram feitas 200 edições desse Catecismo! E depois surgiram centenas de edições, até o século XX. Assim, na Alemanha, ainda na geração do meu pai, as pessoas chamavam o Catecismo simplesmente de "Canísio": ele  foi realmente o catequista dos séculos; formou a fé das pessoas durante séculos.

Esta é uma característica de São Pedro Canísio: saber apresentar harmonicamente a fidelidade aos princípios dogmáticos com o respeito devido a cada pessoa. São Canísio distinguiu a apostasia consciente e culpada da fé, da perda da fé inocente devido às circunstâncias. E declarou, diante de Roma, que a maioria dos alemães passou ao protestantismo sem ter culpa. Em um momento histórico de fortes contrastes confessionais, evitou as asperezas e a retórica da ira - uma raridade naquela época de discussões entre os cristãos -, centrando-se na apresentação das raízes espirituais e na revitalização da fé na Igreja. Para isso, foi-lhe muito útil o vasto e penetrante conhecimento que tinha das Sagradas Escrituras e dos Padres da Igreja: o mesmo conhecimento que refletia sua relação pessoal com Deus e a austera espiritualidade que derivada da devotio moderna e da mística renana.

A característica da espiritualidade de São Canísio é uma amizade profunda com Jesus. Por exemplo, escreveu em seu diário, no dia 4 de setembro de 1549, conversando com o Senhor: "Tu, no final, como se pudesses abrir o coração do Santíssimo Corpo, que eu parecia ver na minha frente, mandaste-me beber dessa fonte, convidando-me, por assim dizer, a tirar as águas da minha salvação das tuas fontes, ó meu Salvador". Percebe-se que o Salvador lhe dá uma veste com três partes, que se chamam paz, amor e perseverança. E com essa vestimenta feita de paz, amor e perseverança, Canísio realizou o seu trabalho de renovação do catolicismo. Esta amizade com Jesus - que é o centro de sua personalidade -, nutrida pelo amor à Bíblia, pelo amor ao Sacramento, pelo amor aos Padres, estava claramente unida à consciência de ser, na Igreja, um continuador da missão dos Apóstolos. E isso nos lembra que todo evangelizador é sempre um instrumento unido - e, por isso mesmo, fecundo - a Jesus e à sua Igreja.

São Pedro Canísio tinha se formado nessa amizade com Jesus dentro da atmosfera espiritual da Cartuxa de Colônia, onde ele tinha mantido contato próximo com os dois místicos cartuxos, Johann Lansperger, latinizado como Lanspergius, e Nicolas van Hesch, latinizado como Eschius. Mais tarde, aprofundou na experiência dessa amizade, familiaritas stupenda nimis, com a contemplação dos mistérios da vida de Jesus, que ocupam uma grande parte dos Esercizi spirituali de Santo Inácio. Sua intensa devoção ao Coração do Senhor, que culminou na consagração ao ministério apostólico na Basílica Vaticana, encontra aqui seu fundamento.

Na espiritualidade cristocêntrica de São Pedro Canísio existe uma convicção profunda: não existe alma cuidadosa da própria perfeição que não pratique todos os dias a oração mental, caminho ordinário que permite que o discípulo de Jesus viva a intimidade com o divino Mestre. Por isso, nos escritos destinados à educação espiritual do povo, nosso santo salienta a importância da liturgia com os comentários sobre os Evangelhos, as festas, o rito da Santa Missa e demais sacramentos, mas, ao mesmo tempo, preocupa-se por mostrar aos fiéis a necessidade e a beleza de que a oração pessoal diária acompanhe e inspire a participação no culto público da Igreja.

Trata-se de uma exortação e de um método que conservam intacto o seu valor, especialmente depois de terem sido propostos novamente pelo Concílio Vaticano II, na constituição Sacrosanctum Concilium: a vida cristã não crescerá se não for alimentada pela participação na liturgia, em particular na Santa Missa dominical, e pela oração pessoal diária, pelo contato pessoal com Deus. Entre as muitas atividades e os múltiplos estímulos que nos cercam, é preciso encontrar, cada dia, momentos de recolhimento diante do Senhor, para ouvi-lo e falar com Ele.

Ao mesmo tempo, é sempre atual e de valor permanente o exemplo que São Pedro Canísio nos deixou, não só em suas obras, mas acima de tudo com sua vida. Ele nos ensina claramente que o ministério apostólico é incisivo e produz frutos de salvação no coração somente se o pregador for uma testemunha pessoal de Jesus e souber ser um instrumento à sua disposição, intimamente unido a Ele pela fé no seu Evangelho e na sua Igreja, por uma vida moralmente coerente e por uma oração incessante como o amor. E isso se aplica a todo cristão que quer viver com esforço e fidelidade sua adesão a Cristo. Obrigado.

Sexta, 04 Fevereiro 2011 20:10

Santa Joana D' Arc

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Estimados irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma jovem santa do fim da Idade Média, morta com 19 anos em 1431. Esta santa francesa, citada várias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está particularmente próxima de santa Catarina de Sena, padroeira da Itália e da Europa, de quem falei numa catequese recente. Com efeito, são duas jovens do povo, leigas e consagradas na virgindade; duas místicas comprometidas, não no claustro, mas sim no meio das realidades mais dramáticas da Igreja e do mundo da sua época. São, talvez, as figuras mais características daquelas «mulheres fortes» que, no final da Idade Média, propagaram sem medo a grande luz do Evangelho nas complexas vicissitudes da história. Poderíamos compará-las com as santas mulheres que permaneceram no Calvário, perto de Jesus Crucificado e de Maria, sua Mãe, enquanto os Apóstolos fugiram e o próprio Pedro O tinha negado três vezes. Naquele período, a Igreja vivia a profunda crise do grande cisma do Ocidente, que durou quase 40 anos. Quando Catarina de Siena faleceu, em 1380, havia um Papa e um antipapa; quando Joana nasceu, em 1412, havia um Papa e dois antipapas. Juntamente com esta laceração no interior da Igreja havia contínuas guerras fratricidas entre os povos cristãos da Europa, das quais a mais dramática foi a interminável «Guerra dos cem anos» entre a França e a Inglaterra.

santa_joana_darcJoana d’Arc não sabia ler nem escrever, mas pode ser conhecida no mais profunda da sua alma graças a duas fontes de extraordinário valor histórico: os dois Processos que lhe dizem respeito. O primeiro, o Processo de Condenação (PCon), contém a transcrição dos longos e numerosos interrogatórios de Joana, durante os últimos meses da sua vida (Fevereiro-Maio de 1431), e cita as próprias palavras da santa. O segundo, o Processo de Nulidade da Condenação, ou de «Reabilitação» (PNul), contém as desposições de cerca de 120 testemunhas oculares de todos os períodos da sua vida (cf. Procès de Condamnation de Jeanne d'Arc, 3 vols. e Procès en Nullité de la Condamnation de Jeanne d'Arc, 5 vols., ed. Klincksieck, Paris 1960-1989).

Joana nasce em Domremy, um pequeno povoado situado na fronteira entre a França e a Lorena. Os seus pais são camponeses abastados, conhecidos por todos como cristãos excelentes. Deles recebe uma boa educação religiosa, com uma notável influência da espiritualidade do Nome de Jesus, ensinada por são Bernardino de Sena e propagada na Europa pelos franciscanos. Ao Nome de Jesus é sempre unido o Nome de Maria e assim, por detrás da religiosidade popular, a espiritualidade de Joana é profundamente cristocêntrica e mariana. Desde a infância, ela demonstra uma grande caridade e compaixão pelos mais pobres, pelos doentes e por todos os que sofrem, no contexto dramático da guerra.

Das suas próprias palavras sabemos que a vida religiosa de Joana amadurece como experiência mística a partir da idade de 13 anos (PCon, I, pp. 47-48). Através da «voz» do ancanjo são Miguel, Joana sente-se chamada pelo Senhor a intensificar a sua vida cristã e também a comprometer-se pessoalmente pela libertação do seu povo. A sua resposta imediata, o seu «sim» é o voto de virgindade, com um novo compromisso na vida sacramental e na oração: participação quotidiana na Missa, Confissão e Comunhão frequentes, longos momentos de oração silenciosa diante do Crucifixo ou da imagem de Nossa Senhora. A compaixão e o compromisso da jovem camponesa francesa diante do sofrimento do seu povo tornam-se mais intensos graças à sua relação mística com Deus. Um dos aspectos mais originais da santidade desta jovem é precisamente este vínculo entre experiência mística e missão política. Depois dos anos de vida escondida e de amadurecimento interior segue-se o biénio breve, mas intenso, da sua vida pública: um ano de acção e um ano de paixão.

No início do ano de 1429, Joana começa a sua obra de libertação. Os numerosos testemunhos mostram-nos esta jovem de apenas 17 anos como uma pessoa muito forte e determinada, capaz de convencer homens inseguros e desanimados. Superando todos os obstáculos, encontra o Delfim da França, o futuro Rei Carlos VII, que em Poitiers a submete a um exame da parte de alguns teólogos da Universidade. O seu juízo é positivo: nela não vêem nada de mal, mas só uma boa cristã.

A 22 de Março de 1429, Joana dita uma importante carta ao Rei da Inglaterra e aos seus homens que assediam a cidade de Orléans (Ibid., pp. 221-222). A sua proposta é de verdadeira paz na justiça entre os dois povos cristãos, à luz dos Nomes de Jesus e de Maria, mas é rejeitada, e Joana deve empenhar-se na luta pela libertação da cidade, que tem lugar no dia 8 de Maio. O outro momento culminante da sua obra é a coroação do Rei Carlos VII em Reims, no dia 17 de Julho de 1429. Durante um ano inteiro, Joana vive com os soldados, realizando no meio deles uma verdadeira missão de evangelização. São numerosos os testemunhos relativos à sua bondade, à sua coragem e à sua pureza extraordinária. É chamada por todos e ela mesma define-se «a donzela», ou seja, a virgem.

A paixão de Joana tem início a 23 de Maio de 1430, quando cai prisioneira nas mãos dos seus inimigos. No dia 23 de Dezembro é conduzida à cidade de Rouen. É ali que se realiza o longo e dramático Processo de Condenação, que começa em Fevereiro de 1431 e termina a 30 de Maio, com a fogueira. É um processo grande e solene, presidido por dois juízes eclesiásticos, o bispo Pierre Cauchon e o inquisidor Jean le Maistre, mas na realidade inteiramente orientado por um numeroso grupo de teólogos da célebre Universidade de Paris, que participam no processo como assessores. São eclesiásticos franceses que, tendo feito uma escolha política oposta àquela de Joana, têm a priori um juízo negativo sobre a sua pessoa e a sua missão. Este processo é uma página devastante da história da santidade e também uma página iluminadora sobre o mistério da Igreja que, segundo as palavras do Concílio Vaticano II, é «simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação» (LG, 8). É o encontro dramático entre esta santa e os seus juízes, que são eclesiásticos. Joana é acusada e julgada por eles, a ponto de ser condenada como herege e enviada à morte terrível na fogueira. Diversamente dos santos teólogos que tinham iluminado a Universidade de Paris, como são Boaventura, são Tomas de Aquino e o beato beato Duns Scoto, dos quais falei em algumas catequeses, estes juízes são teólogos aos quais faltam a caridade e a humildade de ver nesta jovem a obra de Deus. Vêm à mente as palavra de Jesus, segundo as quais os mistérios de Deus são revelados àqueles que têm o coração das crianças, enquanto permanecem escondidos aos doutos e sábios que não têm humildade (cf. Lc 10, 21). Assim, os juízes de Joana são radicalmente incapazes de a compreender, de ver a beleza da sua alma: não sabiam que condenavam uma santa.

O apelo de Joana ao juízo do Papa, a 24 de Maio, é rejeitado pelo tribunal. Na manhã de 30 de Maio ela recebe pela última vez a sagrada Comunhão no cárcere e é imediatamente conduzida ao suplício na praça do velho mercado. Pede a um dos sacerdotes que conserve diante da fogueira uma cruz de procissão. Assim, morre contemplando Jesus Crucificado e pronunciando várias vezes e em voz alta o Nome de Jesus (PNul, I, p. 457; cf. Catecismo da Igreja Católica, 435). Cerca de 25 anos mais tarde, o Processo de Nulidade, aberto sob a autoridade do Papa Calisto III, conclui-se com uma solene sentença que declara nula a condenação (7 de Julho de 1456; PNul, II, pp. 604-610). Este longo processo, que reuniu as deposições das testemunhas e os juízos de muitos teólogos, todos favoráveis a Joana, evidencia a sua inocência e a sua fidelidade perfeita à Igreja. Joana d’Arc será depois canonizada por Bento XV, em 1920.

Prezados irmãos e irmãs o Nome de Jesus, invocado pela nossa santa até nos últimos instantes da sua vida terrena, era como que o suspiro contínuo da sua alma, como a palpitação do seu coração, o centro de toda a sua vida. O «Mistério da caridade de Joana d’Arc», que tanto tinha fascinado o poeta Charles Péguy, é este amor total por Jesus, e pelo próximo em Jesus e por Jesus. Esta santa tinha compreendido que o Amor abraça toda a realidade de Deus e do homem, do céu e da terra, da Igreja e do mundo. Jesus está sempre em primeiro lugar na sua vida, segundo a sua bonita expressão: «Nosso Senhor, o primeiro a ser servido» (PCon, I, p. 288; cf. Catecismo da Igreja Católica, 223). Amá-lo significa obedecer sempre à sua vontade. Ela afirma com total confiança e abandono: «Entrego-me a Deus meu Criador, amo-O com todo o meu coração» (Ibid., p. 337). Com o voto de virgindade, Joana consagra de modo exclusivo toda a sua pessoa ao único Amor de Jesus: é «a sua promessa feita a nosso Senhor, de conservar bem a sua virgindade de corpo e de alma» (Ibid., pp. 149-150). A virgindade da alma é o estado de graça, valor supremo, para ela mais precioso do que a vida: é um dom de Deus, que deve ser recebido e conservado com humildade e confiança. Um dos textos mais conhecidos do primeiro Processo diz respeito precisamente a isto: Interrogada se sabia que estava na graça de Deus, responde: se não estou nela, que Deus me queira pôr; se aí estou, Deus me queira conservar» (Ibid., p. 62; cf. Catecismo da Igreja Católicaa, n. 2005).

A nossa santa vive a oração na forma de um diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina também o seu diálogo com os juízes e lhe dá paz e segurança. Ela pede com confiança: «Dulcíssimo Deus, em honra da vossa santa Paixão, peço-vos, se me amais, que me reveleis como devo responder a estes homens de Igreja» (Ibid., p. 252). Jesus é contemplado por Joana como o «Rei do Céu e da Terra». Assim, no seu estandarte, Joana mandou pintar a imagem de «Nosso Senhor que mantém o mundo» (Ibid., p. 172): ícone da sua missão política. A libertação do seu povo é uma obra de justiça humana, que Joana realiza na caridade, por amor a Jesus. O seu é um bonito exemplo de santidade para os leigos comprometidos na vida política, sobretudo nas situações mais difíceis. A fé é a luz que orienta todas as opções, como testemunhará um século mais tarde outro grande santo, o inglês Tomás More. Em Jesus, Joana contempla também toda a realidade da Igreja, tanto a «Igreja triunfante» do Céu, como a «Igreja militante» da terra. Segundo as suas palavras, «um só é Nosso Senhor e a Igreja» (Ibid., p. 166). Esta afirmação, citada pelo Catecismo da Igreja Católica (cf. n. 795), tem uma índole verdadeiramente heróica no contexto do Processo de Condenação, diante dos seus juízes, homens de Igreja, que a perseguiram e a condenaram. No Amor de Jesus, Joana encontra a força para amar a Igreja até ao fim, inclusive no momento da condenação.

Apraz-me recordar como santa Joana d’Arc teve uma profunda influência sobre uma jovem santa da época moderna: Teresa do Menino Jesus. Numa vida completamente diferente, transcorrida na clausura, a carmelita de Lisieux sentia-se muito próxima de Joana, vivendo no coração da Igreja e participando nos padecimentos de Cristo para a salvação do mundo. A Igreja reuniu-as como Padroeiras da França, depois da Virgem Maria. Santa Teresa tinha expresso o seu desejo de morrer como Joana, pronunciando o Nome de Jesus (Manuscritto B, 3r), e era animada pelo mesmo grande amor a Jesus e ao próximo, vivido na virgindade consagrada.

Queridos irmãos e irmãs, com o seu testemunho luminoso, santa Joana d’Arc convida-nos a uma medida alta da vida cristã: fazer da oração o fio condutor dos nossos dias; ter plena confiança no cumprimento da vontade de Deus, qualquer que ela seja; viver a caridade sem favoritismos, sem limites e, como ela, haurindo do Amor de Jesus um profundo amor pela Igreja. Obrigado!

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